Alexandra Moraes, ombudsman da Folha, minimizou as críticas à decisão do jornal de estampar na capa uma publicidade do site de prostituição “Fatal Model”, publicada em 2 de junho.
Apesar da repercussão negativa, ela classificou, em sua coluna neste domingo, 8, a ação como “histórica” e destacou que a capa impõe uma “discussão necessária”, amenizando o impacto da escolha editorial.
Pela primeira vez, a Folha publicou em sua capa anúncio de uma plataforma de “acompanhantes”. O termo é um eufemismo para prostituição, e a suavidade do texto do anúncio chegou a fazer leitores tomarem “acompanhante” por cuidador de idosos.
Mas o cabeçalho do jornal era a moldura de uma propaganda institucional da Fatal Model, empresa que reúne anúncios e vídeos de profissionais do sexo em sua plataforma. Ganha dinheiro vendendo aos profissionais o destaque desses anúncios e “conteúdo premium” aos clientes.
A Fatal Model vem firmando patrocínios milionários no futebol, modelo dominado pelas “bets”. As investidas renderam à empresa contratos e exposição nas séries A, B e C do Campeonato Brasileiro. A cartada mais recente foi a oferta de R$ 250 milhões pelos “naming rights” do estádio do Athletico-PR, segundo o jornal Lance.
Enquanto a plataforma esbanja dinheiro, a crise do modelo de negócios do jornalismo virou regra. Vender espaço às marcas tornou-se mais difícil. Recusar uma boa oferta (ou mesmo uma mais ou menos boa) parece uma possibilidade distante. Além disso, o jornal está vacinado contra eventuais espantos morais: ainda que em escala menor, os classificados com os quais os veículos ganharam dinheiro em décadas passadas tinham suas seções de “acompanhantes” e “massagistas”.
A peça da Fatal Model na Folha destacava dados sobre a atividade sexual remunerada sem mencioná-la explicitamente e fazia alertas contra o preconceito. “1.400.000 mães, filhas, irmãs e esposas. Esse é o número de profissionais que trabalham como acompanhantes no Brasil. Está na hora da gente falar sobre isso.”
O pretexto era chamado de “Dia da Acompanhante”, 2 de junho, Dia Internacional da Prostituta ou Dia Internacional da Trabalhadora Sexual. O site indicado no anúncio não tinha link de conteúdo sexual, só nome e endereço da plataforma.
Não resta dúvida da respeito da necessidade de discussão sóbria sobre preconceito e dignidade (embora a origem do número apresentado no anúncio, 1,4 milhão, não ficasse clara). Em suas redes, a Fatal Model comemorou a “capa histórica”. Mas a questão é outra.

O principal argumento de quem se opõe à publicidade da marca no futebol é a eventual exposição de crianças ao conteúdo. “Quem digita Fatal Model no buscador consegue chegar, com apenas dois cliques, em fotos e vídeos explícitos”, informa texto da BBC News Brasil reproduzido na Folha. Para a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), do Ministério da Justiça, “é publicidade inadequada”. (…)
O conteúdo jornalístico da Folha, porém, tem sido no geral condescendente com a plataforma. “O rufianismo (…), que é o aliciamento, exploração sexual e participação nos lucros, é ilegal. No caso do Fatal Model, a companhia não está enquadrada na prática”, definiu de modo peremptório o jornal em reportagem de 2023. Em outras ocasiões, já noticiou que o site cortara o patrocínio do podcast Flow após o apresentador Monark defender a existência de partido nazista e anunciou a chegada da plataforma à Europa.(…)
Para Luciana Temer, advogada e presidente do Instituto Liberta (que combate violência sexual contra crianças e adolescentes e também é anunciante da Folha), houve “desconforto” ao ver “o jornal ‘encapado’ com uma propaganda de site de prostituição”.
“Aqui não vai nenhum julgamento moral de quem, por opção ou falta de, está exercendo esse trabalho. Mas nos incomoda muito que pessoas estejam ganhando dinheiro em cima disso”, afirma ela.
A Fatal Model declara “fornecer segurança, qualidade e liberdade” a acompanhantes e clientes.
A Folha argumenta que o objetivo do anúncio não é vender serviço de acompanhantes, e sim abrir a discussão sobre respeito, e que a publicação passou por avaliação jurídica. O jornal afirma que não restringe anunciantes, desde que não pertençam a segmento de mercado vedado em lei ou pelas normas éticas do Conar (Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária). (…)
Se a capa é histórica para a Fatal Model, não deixa de sê-lo também para a Folha, tanto no ineditismo quanto na discussão que impõe.
Fonte: DCM
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