Supremo deve reagir à ofensiva dos EUA com votos firmes contra ingerência externa e punições mais duras para os envolvidos na tentativa de golpe
Donald Trump, STF e Alexandre de Moraes (Foto: Divulgação I STF)
A tentativa do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de influenciar o julgamento da trama golpista que envolve Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF) deve ter efeito contrário ao pretendido e impulsionar uma resposta institucional enfática da corte brasileira. Segundo a Folha de S.Paulo, os ministros da Primeira Turma do STF, responsável por julgar o caso, planejam registrar em seus votos uma firme defesa da soberania nacional e da independência do Judiciário frente à investida estadunidense.
Fontes do Supremo ouvidas pela reportagem descartam qualquer possibilidade de atenuação no julgamento ou nas punições dos réus, mesmo diante da escalada do governo Trump contra o Brasil e contra os magistrados da corte. A avaliação interna é de que a interferência internacional apenas fortalece o entendimento de que é preciso reafirmar o compromisso do país com seu sistema democrático e legal.
Um dos pontos mais sensíveis diz respeito à atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que tem buscado apoio formal da administração Trump para impor sanções ao ministro Alexandre de Moraes e a outros integrantes do STF. Essa articulação está sendo investigada em um inquérito da Polícia Federal, no qual Eduardo é suspeito de obstrução de Justiça e coação. Agentes mantêm sob análise publicações do parlamentar nas redes sociais, consideradas como possíveis autoincriminações.
A expectativa é que a investigação contra o deputado não se estenda por muito tempo. No Supremo, já se discute o recebimento de uma eventual denúncia contra Eduardo Bolsonaro após a conclusão do julgamento do núcleo central da tentativa de golpe, previsto para ocorrer em setembro. O processo está atualmente na fase de alegações finais, com prazo até 13 de agosto para as manifestações das defesas.
Advogados de quatro réus consultados pela Folha afirmaram que a movimentação de Trump não deverá surtir qualquer efeito prático. Pelo contrário, uma das defesas avalia que as penas de Bolsonaro podem ser ainda mais severas, considerando-se a nova conjuntura e a continuidade da atuação firme de Alexandre de Moraes no caso. Um dos defensores disse acreditar que “a ofensiva crescente de Trump reduz a chance de qualquer ponderação nas penas ou mesmo de um eventual indulto”.
A ofensiva de Washington provocou, inclusive, um efeito de coesão interna no Supremo. Integrantes da Primeira Turma —composta por Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin (presidente do colegiado), Flávio Dino e Luiz Fux— demonstraram unidade frente à tentativa de ingerência. Mesmo Fux, que divergiu de medidas cautelares impostas a Bolsonaro, elogiou a independência do STF. As críticas de Zanin foram mais discretas, mas igualmente contrárias à interferência externa.
O tribunal já havia reagido anteriormente quando Eduardo Bolsonaro declarou, dos EUA, que buscaria sanções da Casa Branca contra membros do STF. A corte autorizou então a abertura de inquérito contra o parlamentar. Inicialmente, os ministros preferiram ignorar as manifestações de Trump nas redes sociais, tratando-as como parte de uma estratégia retórica sem impacto jurídico. A postura mudou após o governo dos EUA aplicar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros e acionar a Lei Magnitsky contra Moraes.
A legislação, originalmente criada para punir ditadores e violadores de direitos humanos, visa o congelamento de bens e o isolamento financeiro de seus alvos. No Brasil, a reação veio de forma institucional. Alexandre de Moraes, ao votar medidas cautelares contra Bolsonaro, como o uso de tornozeleira eletrônica e proibição de deixar Brasília, classificou como “grave” a tentativa de desrespeito à legislação brasileira por parte de um governo estrangeiro.
Em seu voto, Moraes escreveu que: "a legislação brasileira é suscetível de modificação, mas não de desataviado desprezo, tampouco de negociação de descumprimento com governo estrangeiro, pois nenhuma autoridade, por mais conhecida e acreditada que seja, está acima da lei". "O comportamento de ruptura com regras elementares de atuação em sociedade se torna ainda mais grave quando se leva em conta o anúncio de novas medidas empreendidas contra a soberania do país, o Estado democrático de Direito e autoridades brasileiras", ressaltou o magistrado em outro ponto do texto.
O ministro Flávio Dino foi além ao classificar a ação de Trump como uma forma de “sequestro da economia brasileira”, sugerindo que o objetivo da medida seria pressionar pelo arquivamento do processo contra Bolsonaro. "Esse ‘sequestro’ certamente merecerá muitos estudos acadêmicos, inclusive nas universidades dos Estados Unidos, por seu caráter absolutamente esdrúxulo", afirmou.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, também se posicionou. Em carta oficial, ainda que sem mencionar Trump diretamente, declarou que as sanções anunciadas pelos EUA têm como base uma “compreensão imprecisa dos fatos” relacionados ao processo contra Bolsonaro. Ao mesmo tempo, Barroso tem defendido que a resposta da corte seja técnica e independente, de forma a evitar uma escalada ainda maior da crise diplomática com os Estados Unidos.
No julgamento virtual das cautelares, os votos dos ministros reforçaram a percepção de que o processo pode ganhar contornos simbólicos de defesa da soberania nacional. Até mesmo Luiz Fux, que divergiu das medidas impostas, fez questão de destacar a autonomia do Judiciário frente a pressões externas.
Fonte: Brasil 247 com informações da Folha de S. Paulo