domingo, 16 de novembro de 2025

“Cláudio Castro governa com o CV e eu sei onde Doca está”, diz Garotinho ao DCM

    Anthony Garotinho

O ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, falou ao DCM sobre o que considera a íntima relação do governador Cláudio Castro com o Comando Vermelho. Garotinho dinamita a estrutura do poder no Rio, denunciando os fortes laços e os modos de operação do governo com o crime organizado. O ex-governador chegou a alegar que sabe o paradeiro de Doca, líder do CV no Complexo do Alemão, que fugiu durante a Operação Contenção, ação que deixou 121 mortos no final do mês passado.

A OPERAÇÃO DE CASTRO FOI UMA AÇÃO POLÍTICA

A resposta dada pelo governador à solicitação do ministro do STF, Alexandre de Moraes, de fazer uma reconstituição, foi ridícula. Ele disse assim: “Para voltar lá novamente eu preciso fazer uma outra operação.” Como é isso? Foi feita uma operação em que morreram criminosos e ontem morreu o quinto policial que estava baleado. E a operação serviu para quê? Não sou contra operação policial, mas o meu sentimento é de que essa operação é mais eleitoral do que policial. Ela envolve outros elementos, que é o que é mais importante.

O GOVERNO DE CLÁUDIO CASTRO É DO COMANDO VERMELHO

Eu vinha denunciando com constância a corrupção do governo Cláudio Castro em várias áreas, inclusive na polícia, onde ele fez um loteamento, deixando que deputados indicassem comandante de batalhão, chefe da Polícia Civil e delegado de polícia. Eu vinha também denunciando paralelamente o envolvimento do governo com o crime. Então, o que houve no Rio de Janeiro foi a subida de patamar: o crime deixou de ter envolvimento com o aparelho policial para ter envolvimento com o governo.

Ainda no governo Cláudio Castro, um dos homens da contabilidade do Comando Vermelho, chamado Abelha, saiu pela porta da frente do presídio, mesmo tendo contra ele prisão decretada. Aí entrou uma polêmica se foi ou não erro da polícia e da Justiça. Eu já estava desconfiado que tinha muitas investigações contra o Terceiro Comando, algumas contra a milícia, mas o Comando Vermelho crescendo e invadindo outros territórios. Aí vem um segundo episódio que me deixou mais indicativos de que essa aliança estava acontecendo:

Um congresso médico estava sendo realizado na cidade do Rio de Janeiro e quatro médicos desceram para tomar uma cervejinha à noite, no calçadão da Barra, num quiosque. Nisso, passa uma moto com integrantes do CV e eles desconfiam que um dos quatro médicos era um miliciano que acabara de ser solto. A semelhança física realmente era muito grande. Eles dispararam contra os médicos e três morreram – inclusive o irmão da deputada federal Sâmia Bomfim.

O Comando Vermelho descobre que o cara que morreu não era miliciano e, por conta disso, prende os integrantes que cometeram erro, anuncia que farão um julgamento e depois executam os dois que cometeram o crime. Tudo isso público.

Ou seja, o papel de investigar, prender e julgar foi feito pelo CV. Inclusive, se dizia que a facção, através de seu porta-voz, anunciaria as etapas – é um absurdo que, em uma sociedade como a nossa, o sujeito seja porta-voz de uma organização criminosa.

O ELO DO CV COM CASTRO

Aí vem mais um episódio que me deixou de cabelo em pé: o governador Castro convoca para ser seu secretário o deputado que era filho do ex-deputado Picciani. Com isso, assume o seu suplente: TH Joias – sabidamente ligado ao tráfico de drogas.

TH Joias começou a ir em inaugurações, entregas de viaturas, tira fotos com o governador, ficou em conversas reservadas dentro do Palácio Guanabara com o secretário de Governo do Rio.

Daqui a um pouco aparece o TH Joias abraçado com o comandante da Polícia Militar e eu publiquei a foto. O comandante me cobrou dizendo que eu o “deixei mal”. Indaguei: “O senhor, como comandante da Polícia Militar, não sabe que o cara é traficante?”

O CASO DO ROUBO DAS ARMAS DO EXÉRCITO

Vem a pá de cal: somem aquelas armas em Barueri, em São Paulo, armas do Exército, que por sua vez instaura procedimento para saber como elas sumiram e para localizá-las, e localizam na Rocinha. Prepara-se então uma operação em que o Exército cercaria a Rocinha e a PM subiria o morro e recuperaria os fuzis roubados. Antes que a operação ocorresse, o subsecretário de Inteligência da Secretaria de Administração Penitenciária vai ao comando do Exército para dissuadir a respeito da operação e propõe aos oficiais do Exército algo que, para minha decepção, foi aceito: que, no lugar da operação, se fosse até a cela de uma das autoridades do CV para que então se negociasse a devolução dos fuzis. Não posso afirmar, mas me parece claro que esse subsecretário tenha agido com autorização de seus superiores. Curiosamente ou não, ele inclusive foi promovido e hoje é secretário-geral.

Quando dois oficiais do Exército vão ao presídio para visitar o faccionado que estava preso e colocam suas digitais no sistema biométrico, não bateu com Bruno e Lima, que era a identificação de outros policiais penais de outros presídios usada pelos oficiais para driblar o sistema e entrar clandestinamente na unidade prisional. Então, o policial penal de plantão dá voz de prisão aos dois oficiais do Exército e é chamado o subsecretário, o diretor do presídio e começa uma reunião. A orientação foi de que se tratava de uma operação secreta e sigilosa que não podia vazar, senão pegaria mal para o governo do Estado e para o Exército. Para dar lisura à versão, o secretário disse que entraria com os oficiais militares. O policial penal, para se garantir, foi no livro e anotou tudo.

Eles entraram na cela e conversaram com a tal “autoridade” do CV e ficou acertado que, no lugar da operação, eles fossem a Jacarepaguá, na rua tal, que teria uma van de placa tal e lá dentro estariam os fuzis. Isso é o quê?

RODRIGO BACELLAR E AS RELAÇÕES COM CASTRO, O CV, A ALERJ E MUITOS CRIMES

No caso do TH Joias, especificamente, eu estava desconfiado, pois estava fazendo outra matéria sobre o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, de uma foto que tinham me mandado dele descendo em um campo de futebol na cidade de Natividade, num helicóptero em que constavam duas iniciais estranhas além do prefixo do helicóptero: as iniciais MM. Liguei para empresas de táxi aéreo e o cara me disse: “Ih, rapaz, não se mete nisso não, esse cara é o rei do ouro. Esse cara é do Pará, ele tem uma empresa, a MM Gold, ele é bilionário. A última vez que a PF o prendeu, a acusação era de R$ 16 bilhões em ouro extraídos de forma ilegal.”

Aí fui buscar as conexões entre um cara que saiu do Pará emprestar helicóptero para um presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro viajar o estado. Essa gente não faz favor de graça, dá com uma mão pedindo com a outra.


Comecei a cutucar. Ele, como muitos empresários com capital de empresa muito grande, para abrir em vários estados, põe a empresa como parte do capital social majoritário de outra empresa e, assim, vai constituindo empresa em vários estados. Nisso, achei uma empresa no Rio chamada Zocar Caminhões com o capital da MM Gold (na época Gana Gold ainda). E o contrato que ela tinha com o Estado era com a CEDAE, a companhia de água – que teve privatizada a distribuição de água, mas a captação e o tratamento continuam com o governo, bem dizer privatizaram a conta. A partir desse dado, fui ver o contrato e era com caminhão-pipa dessa empresa para transporte de água para atender comunidades. Ao investigar no Portal da Transparência, vi faturas de R$ 3 a 4 milhões de reais.

Achei também que os diretores e presidentes da CEDAE eram indicados pelo governador e pelo presidente da Alerj em uma composição que deu a um a parte jurídica e financeira, ao outro a presidência.

Mas achei ainda que isso era muito pouco para o cara colocar um helicóptero aqui. Segui cutucando e descobri que a Zocar Caminhões tinha negócios com uma construtora, a ConstruVerde, que ganhou licitação para fazer um aterramento preparatório para a construção do novo Guandu, num contrato de R$ 450 milhões. Aí não é só água, é área, terra, máquinas, contratos grandes.

Liguei para amigos jornalistas da TV e Rádio Liberal, de Belém do Pará, e ouvi que o TH era complicado, que era melhor eu não me envolver, que era tão poderoso que, no dia do aniversário dele, o prefeito da cidade tinha decretado feriado. Que bancava prefeito, deputados… Essa fonte me disse que esse cara passava propina em ouro. O TH fazia joias para famosos: Ronaldo Nazário, Ludmilla, Vini Jr, artistas, jogadores, mas o grosso dos clientes dele eram traficantes, com aqueles cordões grossos de ouro.

Juntei TH Joias, ouro e, apertando daqui e dali, consegui a ligação da movimentação financeira dele. Publiquei até uma foto dele deitado em um colchão que ele fez de notas de dinheiro, um colchão de R$ 5 milhões. Recebi vídeos pornográficos dele se masturbando para traficantes, mas esses eu não quis publicar.

O cara que num dia está abraçado no comando da Polícia Militar em fotos, no outro está se masturbando para traficantes. Provavelmente passando informação da própria polícia ou essa informação é muito grande.

O MP me considerou uma pessoa ameaçada de morte. Tomei vários tiros que pegaram no carro e de raspão em um segurança; hoje ando com escolta policial.

Comecei a bater no TH Joias e em sua ligação com governador, comandante da PM, secretários, presidente da Alerj. A partir disso, fizeram uma operação e finalmente prenderam o TH Joias.

Depois da prisão dele, dei a informação: TH Joias falou que, se não soltarem ele até novembro, ele vai contar tudo que sabe. Aí vem a Operação Contenção.

Percebe que o que precede essa operação é mais importante que a operação? Você tem aqui no Rio de Janeiro o crime instalado no governo. Você tem deputados ligados à milícia, ao tráfico de drogas, a roubo de carro, de carga, de fio de cobre. Então, a situação da criminalidade do Rio é grave porque o governador caiu de paraquedas após a cassação do Witzel por corrupção.

Cláudio Castro foi um vereador com apenas 10 mil votos, com experiência zero em administração, não sabia nada de aliança política, então terceirizou o governo para a Assembleia Legislativa e botou como responsável por essa coordenação um sujeito que deveria estar preso, que é o Rodrigo Bacellar – que começou sua carreira de deputado, já está no segundo mandato, com declaração de, sei lá, uns R$ 200 mil, e hoje tem mansão em Teresópolis por R$ 4 milhões, mora em cobertura dupla em Botafogo, em frente ao Palácio da Cidade, e diz que paga R$ 2 mil de aluguel. Nem o IPTU dele vale isso. O Ministério Público tinha arquivado um processo contra ele por enriquecimento ilícito, mas depois das minhas denúncias, o Conselho Superior reabriu.

Em primeira mão digo para você que ele está construindo em Campos de Goytacazes, que é a cidade dele, um clube privado que tem sauna, campo de golfe, piscina, campo de futebol society. Ele é o elo entre o governador e o CV.

Um cidadão aqui do RJ lava o dinheiro do CV através dos seus postos de gasolina. Quem advogou para ele quando ele foi preso, após investigação que fiz, foi o Rodrigo Bacellar. Esse empresário foi o maior doador de campanha do Cláudio Castro.

Eu sugiro que o ministro da Justiça faça uma intervenção no sistema prisional, que virou escritório do Comando Vermelho. Esses bagrinhos que transferiram agora para presídio federal foram só cena para massagear o orgulho das pessoas que gostam de ver tiroteio.

Quem enfrenta o tráfico na Colômbia? Na Bolívia? É o Exército. No Rio é Polícia Militar e Civil, que é uma das mais preparadas do mundo, mas é até desproporcional a guerra que é travada, porque o Comando Vermelho, nas mais de 500 áreas em que atua, tem entre 35 e 40 mil fuzis e, para cada fuzil, alguém para segurar, o que é maior que o efetivo das polícias.

O resumo do Rio é esse: todos os órgãos e secretarias com níveis variados de corrupção e milhões ou bilhões desviados a partir desse pacto que estava feito com o Comando Vermelho, que não sei se continua, pois, depois da prisão do TH, há duas versões: queima de arquivo ou briga entre Castro e Bacellar.


OS BASTIDORES DO COMANDO VERMELHO

Os policiais me falam: briga com o CV não tem. Eles tomaram o lugar da milícia. É uma organização criminosa e violenta, sem a sofisticação e o perfil empresarial do PCC.

Eles tocam o terror, como o Fernandinho Beira-Mar fez quando tomou conta do Presídio de Bangu, que cortou a cabeça do E., enterrou numa vassoura e depois fez embaixadinha, ou como quando ele fez com o cara que era da facção dele e que estava tendo um caso com a Joelma, que era mãe do filho dele. Ele levou a Joelma para um galpão e o cara para lá. Mandou botar o telefone em chamada. Ele mandou cortar os dedos do pé do cara, depois cortar na altura do tornozelo, depois a mão. O cara implorando para matarem ele. Para executar, ele mandou enfiar o revólver no ânus do cara e descarregar. Esse é o CV. Esse é o santo Fernandinho Beira-Mar.

TH Joias é um arquivo a ser morto. Só me pergunto se vão parar no TH Joias, pois ele sabe alguma coisa, mas não sabe tudo. A TV Globo botou o Marcinho VP como o número 1 do CV. Esquece. O Comando Vermelho tem áreas e cada um toca sua área. O Doca, por exemplo, só gere o Complexo do Alemão e a Penha; Jacarezinho, Rocinha são outros. A briga do Doca com o Marcinho VP é por causa do Oruam, é outra coisa que não tem nada a ver. Quando prenderam o filho, Marcinho negociou e deu o paradeiro do Doca para liberar o filho.

“EU SEI ONDE DOCA ESTÁ”

Eu sei onde o Doca está. Está em Paraisópolis, guardado pelo PCC. O PCC faz atacado e o CV é varejo.

PCC e CV não competem. O PCC tem como ponto central o porto de Santos. Por ali, ele manda droga para Europa, Ásia, África e parte dos EUA, pois, nos EUA, os cartéis mexicanos não deixam o PCC entrar com mais força. A base do PCC é Portugal; lá, eles têm mil homens. Esse levantamento é do sistema de inteligência do país. O PCC não negocia como o CV em varejinho de boquinha de fumo aqui e ali. Em Trinidad e Tobago, o PCC negocia ouro; em Gana, diamante; no Leste Europeu, armas.

O negócio do PCC não é mais o combustível, isso é só uma parte. Hoje a força está nas bets. Quarenta por cento das bets legalizadas são bancadas pelo PCC; aí vem setor imobiliário, farmácias, fundos de investimento, rede de motéis. Eles compraram até uma das padarias mais famosas de São Paulo, onde Adoniran Barbosa cantava. Do ponto de vista bélico, o CV é muito forte; da violência também; do envolvimento com o governo do RJ, muito forte também; mas, empresarialmente falando, em termos de lavagem de dinheiro, a força é do PCC. Essas duas cabeças comandam 80% do crime no Brasil. Tirando esses crimes menores como roubo de celular e crimes comuns. Já ouvi histórias, mas não tenho comprovação, de histórias do PCC envolvido com igrejas neopentecostais.

NÃO TENHO MEDO DE MORRER

Quando denunciei a quadrilha do Sérgio Cabral à PGR, antes, o deputado Picciani, que viu que ia dar um rolo geral, me perguntou se eu toparia conversar com o Cabral. Então, sentamos na casa do Picciani e tomamos um café. Foi nesse dia que Cabral falou: “Garotinho não deveria ser político, deveria ser polícia, pois gosta de ficar investigando a vida dos outros. Mas meu secretário de Segurança é o Beltrame, em cima de mim não vão chegar. Meu procurador é o Sérgio Lopes. Eu que botei ele sentado lá e ainda dou uma mesadinha para ele.”

Esse procurador-geral do Ministério Público, que recebia R$ 150 mil por mês de propina das mãos do governador, acabou preso. Cabral seguiu: “Na Justiça sabe como é, né, pessoal não gosta muito do Garotinho. Então pode fazer o que você quiser que não vai dar nada.”

Aí ele finalmente me perguntou: “Não tem medo de morrer?” Respondi que não. Ele insistiu, ironicamente: “Ué, você fez pacto com Deus?” Respondi de pronto: “Eu não tenho porque sei para onde vou, mas você deveria ter, pois você sabe para onde você vai.” Nossa vida é muito pequena para nossa história.

Fonte: DCM

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