John Feeley, ex-embaixador estadunidense no Panamá, diz que o presidente dos EUA age de forma imprevisível
O recuo dos Estados Unidos em tarifas comerciais e sanções impostas a autoridades brasileiras não foi resultado de uma vitória diplomática do Brasil, mas consequência direta de uma mudança de percepção do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre o ex-mandatário Jair Bolsonaro (PL). A avaliação é de John Feeley, ex-embaixador estadunidense no Panamá e especialista em América Latina, que atribui o episódio ao comportamento errático e personalista do chefe da Casa Branca.
Em entrevista à BBC News Brasil, Feeley afirmou que Trump passou a tratar Bolsonaro como um aliado “descartável” após sua derrota eleitoral, condenação e prisão, deixando de vê-lo como um ativo político relevante no Brasil.
◈ Trump, Bolsonaro e a lógica do descarte político
Segundo o diplomata, a relação entre Trump e Bolsonaro nunca foi sustentada por um vínculo estratégico duradouro, mas por afinidades circunstanciais. “Assim que Bolsonaro perdeu, ou seja, assim que foi condenado e preso, Donald Trump o viu como um perdedor, e se há algo que Donald Trump não tolera são perdedores”, afirmou Feeley.
Na avaliação do ex-embaixador, o interesse do presidente dos Estados Unidos pelo Brasil sempre foi limitado. “Não acho que Donald Trump saiba muito sobre Bolsonaro. Posso quase garantir que ele não acorda todos os dias pensando no Brasil”, disse. Para ele, o afastamento foi automático quando Bolsonaro deixou de exercer protagonismo político. “Assim que Bolsonaro deixou de ser uma referência na política brasileira e o Estado de Direito e a justiça democrática prevaleceram no Brasil, Donald Trump simplesmente o descartou.”
◈ Sanções, tarifas e o peso do lobby em Washington
As tensões entre Brasil e Estados Unidos se intensificaram após a imposição de tarifas de 40% sobre produtos agrícolas brasileiros e a inclusão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes na lista de sancionados pela Lei Magnitsky. As medidas, posteriormente revertidas, ocorreram durante o julgamento de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.
Feeley avalia que essas ações não partiram de uma estratégia institucional consistente, mas da atuação de aliados do ex-mandatário brasileiro em Washington. “Acho que a reação inicial dos Estados Unidos, ou da administração Trump, ao julgamento de Bolsonaro foi resultado direto do lobby de Eduardo Bolsonaro, seu filho, em Washington”, disse.
Segundo ele, o presidente dos Estados Unidos é vulnerável a pressões de grupos com acesso ao poder político. “Trump pode ser manipulado por assessores da K Street, por pessoas que conseguem chegar a figuras importantes dentro do governo, e vimos isso muitas e muitas vezes nos últimos 10 meses”, ressaltou Feeley.
◈ Imprevisibilidade de Donald Trump
Para Feeley, negociar com Trump é uma tarefa instável e sujeita ao acaso. “Donald Trump é um presidente muito, muito imprevisível, assistemático e economicamente ignorante”, afirmou ao analisar a reversão das sanções. Na sua avaliação, o desfecho favorável ao Brasil não deve ser interpretado como resultado de uma estratégia bem-sucedida de negociação. “Acho que Lula, francamente, teve sorte”, disse o ex-embaixador, ao comentar os elogios feitos por analistas internacionais ao governo brasileiro após a normalização das relações com Washington.
◈ Venezuela, sanções e ausência de estratégia
Na entrevista, Feeley também analisou a política dos Estados Unidos em relação à Venezuela, especialmente o bloqueio a navios petroleiros sancionados. Para ele, a medida é mais eficaz do que ações anteriores, mas não deve ser apontada como a causa principal da crise humanitária no país.
“É sempre um erro criticar qualquer embargo ou bloqueio a um país que tem sido sistematicamente abusado pelos seus próprios líderes nas últimas duas décadas, atribuindo-o como a principal causa da miséria da população”, afirmou. Segundo Feeley, “a razão pela qual os venezuelanos estão vivendo na miséria […] é o desastroso modelo econômico de Nicolás Maduro”.
Ainda assim, o diplomata criticou a falta de clareza estratégica do governo Trump. “Não acredito que seja uma política baseada em uma estratégia bem elaborada”, disse, ao questionar a ausência de um objetivo final declarado nas ações americanas.
◈ Papel do Brasil no cenário regional
Ao abordar o papel do Brasil diante das tensões regionais, Feeley destacou a experiência recente do país na defesa de suas instituições democráticas. Para ele, essa vivência confere ao Brasil uma posição relevante no debate internacional sobre limites ao Poder Executivo.
“Espero que os Estados Unidos possam se inspirar no exemplo do Brasil, que, a meu ver, tem sido muito mais receptivo aos limites democráticos do Poder Executivo do que os Estados Unidos, até o momento”, afirmou. Na avaliação do ex-embaixador, o principal ativo brasileiro no cenário internacional atual é a consolidação de sua democracia, mais do que qualquer papel direto de mediação em conflitos externos.
Fonte: Brasil 247


