Aprovado por unanimidade no Senado, projeto que define punições mais severas contra devedores contumazes está parado na Câmara sob influência do Centrão
Plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Adriano Machado / Reuters)
Empresas que se estruturam para nunca pagar impostos, mesmo declarando os tributos devidos, vêm causando prejuízos bilionários à economia brasileira. A prática, conhecida como devedor contumaz, distorce a concorrência, alimenta organizações criminosas e fragiliza a arrecadação pública.
Aprovado por unanimidade no Senado, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 125/2022, tenta mudar esta realidade criando regras mais duras contra os chamados devedores contumazes, enfrenta resistência na Câmara dos Deputados. A proposta, aprovada em 2 de setembro com 71 votos favoráveis, nasceu de uma comissão de juristas e ganhou força após os desdobramentos da Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, que expôs a infiltração do crime organizado no setor de combustíveis.
Apesar da relevância do tema e da urgência protocolada pela liderança do governo, o projeto está parado. Não há relator designado, nem calendário de tramitação. Nos bastidores, parlamentares do Centrão, aliados ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), atuam para esvaziar ou mesmo sepultar a matéria, destinada a proteger grandes devedores.
◎ Punições mais severas para devedores contumazes
O PLP 125/2022 define devedor contumaz, em âmbito federal, como o contribuinte com dívida injustificada, superior a R$ 15 milhões e correspondente a mais de 100% do seu patrimônio conhecido. Em âmbito estadual e municipal, o texto considera como devedor contumaz quem tem dívidas com os fiscos de forma reiterada (por pelo menos quatro períodos de apuração consecutivos ou seis alternados no prazo de 12 meses) e injustificada.
Um ponto central do debate é distinguir o empresário que enfrenta dificuldades momentâneas daquele que atua de forma dolosa. Essa diferenciação dá segurança jurídica para que o Estado aja com rapidez contra quem burla o fisco sem penalizar empresas honestas que, por circunstâncias pontuais, entram em inadimplência. Segundo o relator no Senado, Efraim Filho (União-PB), a medida protege os bons pagadores e combate empresas que agem com dolo. “O devedor contumaz age com dolo, estruturando sua atividade econômica a partir do inadimplemento sistemático”, explicou o senador.
O devedor contumaz não poderá ter benefícios fiscais, participar de licitações e firmar contratos com a administração pública ou propor recuperação judicial. Além disso, poderá ser considerado inapto no cadastro de contribuintes, o que gera diversas restrições à empresa.
Apenas no setor de combustíveis, os prejuízos chegam a cerca de R$ 100 bilhões, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO).
Além de tipificar o devedor contumaz, o novo Código de Defesa do Contribuinte, que está parado na Câmara, busca estimular a conformidade tributária, abrindo espaço para mediação, arbitragem e programas de regularização. O objetivo é reduzir o gigantesco contencioso tributário do país, que hoje supera R$ 3 trilhões.
◎ Carbono Oculto expõe elo entre sonegação e crime organizado
Deflagrada em 28 de agosto pela Receita Federal e diversos órgãos parceiros, a Operação Carbono Oculto foi considerada a maior ação contra o crime organizado da história do Brasil em termos de cooperação institucional e amplitude. A investigação mira um esquema bilionário de fraudes e lavagem de dinheiro no setor de combustíveis, que envolvia desde a importação e distribuição até a venda ao consumidor final. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão em cerca de 350 alvos, espalhados por oito estados, e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional bloqueou mais de R$ 1 bilhão em bens para garantir o crédito tributário.
O esquema usava centenas de empresas de fachada e postos de combustíveis para sonegar impostos, adulterar produtos e lavar recursos ilícitos. Entre 2020 e 2024, a movimentação financeira suspeita ultrapassou R$ 52 bilhões, com recolhimento ínfimo de tributos. A organização também utilizava fintechs para dificultar o rastreamento de operações, chegando a movimentar R$ 46 bilhões apenas por meio de uma dessas instituições. Parte do dinheiro era blindada em fundos de investimento, que controlavam desde imóveis e caminhões até usinas de álcool, criando um ciclo de legalização do patrimônio ilícito.
A aprovação do PLP 125/2022 pelo Senado representou “um dia histórico”, nas palavras do então presidente da Casa, Davi Alcolumbre. Para a Câmara, porém, o futuro do projeto segue incerto. Enquanto isso, empresas bilionárias, cuja sustentabilidade do negócio depende da sonegação de impostos, mantêm seu espaço, reforçando a sensação de que o crime organizado segue encontrando proteção política em Brasília.
Fonte: Brasil 247