terça-feira, 27 de maio de 2025

Decisão do STF limita ação digital da extrema-direita sobre depoimentos do 8 de Janeiro

Atos terroristas de 8 de janeiro de 2023 – Foto: Reprodução


Por Fábio Vasconcellos, no site ReDem

Procure por uma imagem ou áudio do depoimento dos réus acusados pela tentativa de golpe no 8 de Janeiro, que começaram a falar na semana passada no Supremo Tribunal Federal (STF). Vá à principal plataforma de vídeos da internet. Busque nas redes sociais. Nada.

Não há registros desses depoimentos, a não ser a descrição feita por jornalistas autorizados a acompanhar as oitivas. São notícias sem imagens, sem as expressões dos personagens e sem pontos de tensão que contribuem para dramatizar a história. Não há imagens ou sons porque o STF proibiu os registros.

De um ponto de vista inicial, a decisão do Supremo pode ser compreendida como algo controverso. Desde 2002, quando lançou a TV Justiça, o STF vinha se alinhando à ideia da necessidade de a população conhecer mais sobre o processo de funcionamento da instituição. A TV Justiça transmitiu, por exemplo, sessões históricas como o julgamento do Mensalão, casos envolvendo a Lava Jato, entre outros.

Costuma-se dizer hoje, inclusive, que o brasileiro sabe quem são os 11 ministros do STF, mas não sabe o nome dos titulares da seleção brasileira de futebol (talvez este não seja um dado negativo). Nesses mais de dez anos, quando a TV Justiça não estava presente, outras emissoras se encarregavam de acompanhar as sessões ou tinham acesso livre aos vídeos gravados de interrogatórios e/ou decisões do Supremo. Tudo era exposto, com toda a dramaticidade no telejornal.

A atual decisão do STF de vetar o registro de imagens e som é controversa porque pode ser enquadrada como uma escolha que afeta a ideia de transparência pública e o direito que temos de acesso à informação. Sem dúvida, essa é uma questão importante, mas deixo para os juristas. Gostaria de chamar atenção aqui para um segundo ponto, que considero relevante e, por óbvio, não pode ser negligenciado nesse debate.

Entre o Mensalão (2005), a Lava Jato (2014) e uma infinidade de outros casos que tivemos acesso por imagens e vídeos, algo mudou no mundo da comunicação. A ascensão de uma extrema-direita radical, que sabe usar como ninguém as técnicas e estratégias da comunicação digital, gerou consequências. A principal delas talvez seja o volume de desinformação produzida e disseminada a partir de fatos reais. A força da comunicação da extrema-direita está na habilidade de construir histórias a partir de fragmentos de acontecimentos reais.

O ex-presidente Jair Bolsonaro – Foto: Reprodução


Com o uso dos “cortes nas redes sociais”, esse grupo utiliza uma técnica poderosa de descontextualização e reenquadramento. Em razão do dinamismo das redes e da centralidade dos vídeos como principal linguagem do ecossistema digital, a extrema-direita consegue construir narrativas que lhes são favoráveis, a despeito de não corresponderem à verdade ou serem bastante imprecisas. Nesse sentido, a restrição do STF é um banho de água fria na tática bolsonarista.

Em outras palavras, sem vídeos e áudios, a extrema-direita tem sua atividade de “attention hacking” prejudicada. A manipulação feita a partir de mensagens curtas, simples e muitas vezes irônicas ou com uso do humor precisa de imagens, e, se elas forem do evento em si, melhor. Paradoxalmente, a desinformação deve ser verossímil para ganhar selo de “autêntico” e “verdadeiro”, não para circular entre os seus adeptos, porque isso acontece de forma automática, mas para chegar a outras audiências na batalha pela opinião pública.

Sem as imagens das caras e bocas do ministro Alexandre de Moraes, que muitas vezes é enquadrado em ângulos que sugerem sentidos negativos, ou de falas de advogados ou depoentes tidas como “lacradoras”, a base bolsonarista tem que gastar mais imaginação para conseguir se contrapor ao noticiário. O jornalismo profissional não apenas tem acesso aos julgamentos, como conduz hoje o registro histórico dos depoimentos dos acusados.

Embora o jornalismo profissional também seja impactado pela ausência de sons e imagens, já que os telejornais ficam “empobrecidos” de material dramático, o STF parece ter conseguido dar algum freio de arrumação no registro de um evento de alta relevância e, sobretudo, extremamente sensível.

Nesse sentido, a decisão do STF pode ser vista como uma medida deliberada não apenas para mitigar riscos de desinformação, mas, sobretudo, para dar alguma racionalidade ao debate público sobre o 8 de Janeiro, em especial no ambiente digital. É claro que esse propósito não será alcançado em sua totalidade, mas, sem dúvida, criou uma dificuldade para a extrema-direita digital.

Fonte: DCM

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