A Constituição brasileira não prevê a possibilidade de autoanistia, afirmou o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto ao comentar sobre Jair Bolsonaro em entrevista ao UOL. Segundo ele, como presidente da República, Bolsonaro era um agente do Estado e, por isso, não poderia ser beneficiado por uma medida que equivaleria ao próprio Estado se perdoar por descumprir suas leis.
“É por isso que quando se fala de anistia, é preciso cuidado, muito cuidado, porque na Constituição ela é competência da União. É a dita lei sobre anistia, mas no pressuposto do cometimento de infração penal, de infração não penal somente, contra o Estado e suas leis. É diferente de anistiar o próprio Estado. Se o Estado desrespeita as suas leis, nós não estamos mais diante da figura da anistia, e sim da autoanistia. E a Constituição não prevê a autoanistia”, disse.
Ayres Britto destacou que a democracia exige que o Estado cumpra as regras que ele mesmo cria. Para o ex-ministro, permitir autoanistia comprometeria a essência do Estado de Direito e geraria insegurança jurídica:
“O que é Estado de Direito? É uma situação que pressupõe o Estado a cumprir o seu próprio direito. Só é Estado de Direito se entendermos assim. Se o Estado passa a desrespeitar o direito por ele mesmo criado, a insegurança jurídica é total. E, no caso da democracia, ela é totalmente espatifada”.
Ele ressaltou que a democracia é o princípio supremo da Constituição de 1988 e que o julgamento do STF sobre a tentativa de golpe reafirma esse valor central. Para Britto, os ataques aos Poderes configuram atentado de gravidade máxima contra a soberania popular e não podem ser relativizados.
“Vejo pelo prisma da democracia, principalmente, todos esses episódios lamentáveis de conturbação da vida social, política e jurídica brasileira. Quando se fala de democracia, ela precisa insistir nisso. Na Constituição de 1988, que é a lei das leis, a democracia é o princípio substantivamente supremo”, afirmou.

O ex-ministro também destacou que a Constituição é fruto da vontade da nação, e não do Estado. Por isso, cabe ao Supremo zelar pela sua integridade:
“Vamos bater continência para ela. Lembrando que a Constituição é a única lei que não tem número. Isso ajuda a compreender as coisas, a ordenar o pensamento. Todas as leis e atos estatais têm número, principalmente os normativos. Mas a Constituição não é feita pelo Estado; na sua redação originária, é feita pela nação, nessa linha imaginária entre o passado, o presente e o futuro de um mesmo povo soberano”.
Ayres Britto afirmou ainda que o julgamento de militares de alta patente por tentativa de golpe é histórico. Para ele, a responsabilização individual de civis e militares mostra que ninguém está acima da lei e fortalece o Estado Democrático de Direito. Segundo o ex-ministro, as Forças Armadas têm missão de defesa das instituições e não de ataque a elas.
“O título versante sobre as Forças Armadas, assim como sobre os órgãos de segurança pública no Brasil, a partir da Polícia Federal, é o número cinco, cujo nome é autoexplicativo. O nome é da defesa do Estado e das instituições democráticas, inclusive os Três Poderes”, disse.
“As Forças Armadas são organizadas à base da hierarquia e da disciplina para a defesa e não agressão, hostilidade e ataque às instituições democráticas. Os comandantes militares que não cederam ao canto da sereia, digamos assim, agiram no estrito cumprimento do dever constitucional”.
Por fim, lembrou que a Carta Magna considera inafiançável e imprescritível o crime de atentado à ordem democrática:
“A Constituição diz que constitui crime inafiançável e imprescritível. No inciso 44 do artigo 5º, dentre os direitos e garantias fundamentais, portanto. Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional, formalmente, e o regime democrático e o Estado democrático, substantivamente. São os dois princípios fundamentais. Mais uma vez, a Constituição coloca ênfase no princípio maior substantivamente, falando da democracia”.
Fonte: DCM
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