Declaração de Trump na ONU interrompe ciclo de comunicação apenas com o bolsonarismo
Donald Trump e Lula (Foto: Reuters | ABR)
O discurso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante a Assembleia Geral da ONU, alterou o cenário da política externa brasileira. Ao afirmar que teve uma "química excelente" com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Trump desmontou a narrativa bolsonarista de interlocução exclusiva com a Casa Branca.
Segundo a coluna da jornalista Andréia Sadi, do G1, a fala repercutiu entre aliados de Jair Bolsonaro (PL) e no Itamaraty, que enxergaram o gesto como um divisor de águas. O discurso colocou em xeque a estratégia do influenciador bolsonarista Paulo Figueiredo e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que buscam monopolizar o contato político com Washington.
Eduardo e Figueiredo residem nos EUA e têm atuado junto a integrantes do governo Trump na imposição de sanções ao Brasil e a autoridades brasileiras**,** visando interferir no resultado do julgamento de Jair Bolsonaro (PL) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-mandatário foi condenado pela Primeira Turma do STF a cumprir uma pena de 27 anos e três meses de prisão por tramar um golpe de Estado após perder o pleito presidencial de 2022.
◆ Impacto no bolsonarismo
Na ala pragmática do bolsonarismo, a leitura é de que Lula sai fortalecido, mas não apenas ele. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, também é apontado como beneficiado, já que vinha tentando estabelecer diálogo direto com os EUA, mas era constantemente desautorizado pelos representantes bolsonaristas.
Diplomatas do Itamaraty celebraram o gesto como um verdadeiro "golaço". Um integrante do governo ressaltou: "Era meio óbvio que ia dar uma química lá. Não podia ser telefonema, tinha que ser ao vivo".
◆ Desgaste da ala radical
Para os governistas ouvidos pela reportagem, a fala de Trump deixou em situação desconfortável setores do bolsonarismo que defendiam sanções americanas como forma de agradar às lideranças da direita. Esses grupos agora enfrentam dificuldades para sustentar sua narrativa de proximidade exclusiva com Washington.
A lembrança de encontros passados voltou à tona, como quando Jair Bolsonaro, em viagem oficial, declarou em inglês ao mandatário estadunidense: "Trump, I love you". Agora, porém, o gesto do atual presidente dos EUA em relação a Lula reposiciona o tabuleiro político e diplomático do Brasil.
Procurador diz que há provas suficientes para comprovar cinco crimes
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A Procuradoria-Geral da República (PGR) entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF), na noite desta segunda-feira (22), suas alegações finais na Ação Penal nº 2.693, que julga os réus do chamado Núcleo 2 da trama golpista que buscou interferir nos resultados das últimas eleições presidenciais a fim de manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder, mesmo após a derrota nas urnas.
No documento, o procurador-geral, Paulo Gonet, pede a condenação do general da reserva e ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República,Mário Fernandes; do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques e do ex-assessor especial de Assuntos Internacionais, Filipe Garcia Martins.
Gonet também pede ao STF que condene o coronel da reserva e ex-assessor de Bolsonaro, Marcelo Costa Câmara; o delegado da Polícia Federal (PF) e ex-secretário-executivo da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, Fernando de Sousa Oliveira, e a ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça, Marília Ferreira de Alencar.
Nas alegações finais, o procurador-geral afirma haver provas suficientes para condenar os seis réus pelos crimes de:
organização criminosa armada;
tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
tentativa de golpe de Estado;
dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima; e
deterioração de patrimônio tombado.
Gonet também pediu que seja fixada uma multa para reparação dos danos.
No documento enviado ao STF, o procurador-geral sustenta que as ações praticadas pela “organização criminosa” estão documentadas em conversas por aplicativos de mensagens, além de registros em arquivos eletrônicos.
Segundo ele, as provas demonstram que os réus coordenaram ações de monitoramento e neutralização de autoridades públicas, elaboraram o projeto de decreto que implementaria medidas excepcionais no país e atuaram para dificultar a chegada de eleitores da Região Nordeste aos locais de votação, durante o primeiro turno das eleições de 2022.
Ainda de acordo com Gonet, os acusados do Núcleo 2 não só monitoraram autoridades da República, como elaboraram um plano para matar o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF, Alexandre de Moraes. Em depoimento ao STF, o próprio general Mário Fernandes admitiu ser o autor do plano que romperia com as estruturas democráticas do país, batizado de Punhal Verde e Amarelo.
“As provas, na realidade, vinculam subjetivamente os acusados à cadeia causal dos atos [que culminaram com o] 8 de janeiro de 2023”, argumentou o procurador-geral, acrescentando que os réus descumpriram deliberadamente com suas atribuições funcionais, principalmente no âmbito da segurança pública, facultando que manifestantes invadissem e depredassem os edifícios-sedes dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Ministra disse ter orgulho da trajetória política ao lado de Lula após fala firme na Assembleia Geral da ONU em Nova York
Lula e Gleisi Hoffmann (Foto: Gil Ferreira / Ascom-SR)
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), exaltou o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Assembleia Geral da ONU, realizada nesta terça-feira (23) em Nova York. Em publicação nas redes sociais, a parlamentar classificou a fala como “corajosa e verdadeira”, ressaltando que Lula defendeu a soberania nacional, o multilateralismo, a democracia e o enfrentamento à desigualdade.
“Corajoso e verdadeiro o pronunciamento do presidente Lula na ONU. Defendeu perante o mundo a soberania nacional, o multilateralismo, a democracia, a paz e o enfrentamento à desigualdade. Tenho muito orgulho de fazer a caminhada política com este homem de coragem, que tem causa e sabe o que quer da política. Discurso maravilhoso que honra o nosso país!”, afirmou Gleisi.
☉ Defesa da soberania brasileira
Na abertura de sua fala, Lula reforçou a defesa da soberania dos países, em reação às tarifas de 50% impostas pelos Estados Unidos contra exportações brasileiras. Sem citar diretamente o presidente norte-americano Donald Trump, ele classificou a medida como “arbitrária” e alertou que não aceitará tentativas de interferência em instituições nacionais.
“Não há justificativa para as medidas unilaterais arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia. Nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis”, declarou.
O presidente também fez referência ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, citando ataques antidemocráticos e ressaltando que o Brasil resistiu “mesmo sob ataques sem precedentes”.
☉ Críticas ao autoritarismo e às ingerências externas
Lula afirmou que a crise do multilateralismo caminha junto ao enfraquecimento da democracia, denunciando forças autoritárias que “cultuam a violência, exaltam a ignorância, atuam como milícias físicas e digitais e cerceiam a imprensa”.
Sem mencionar nomes, criticou também a atuação de setores da oposição que buscaram apoio no exterior para ampliar sanções contra autoridades brasileiras. Segundo ele, a “extrema direita subserviente” ajuda a fomentar ingerências externas em assuntos internos.
☉ Regulação das plataformas digitais
Outro ponto destacado pelo presidente foi a defesa de uma regulação internacional para as plataformas digitais. Para Lula, as redes sociais têm sido usadas para propagar intolerância e desinformação.
“A internet não pode ser terra sem lei. Regular não é restringir a liberdade de expressão, é garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim também no ambiente virtual”, disse.
☉ Economia e OMC
Em resposta ao avanço do protecionismo, Lula defendeu a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para ele, medidas unilaterais desorganizam cadeias produtivas e geram estagnação econômica global. “Poucas áreas retrocederam tanto como o sistema multilateral de comércio”, alertou.
☉ Genocídio em Gaza
Na parte final, Lula classificou como genocídio a ofensiva israelense contra a população palestina em Gaza e defendeu o reconhecimento do Estado da Palestina. Ele lamentou a ausência do presidente Mahmoud Abbas na ONU, após a retirada de seu visto pelo país anfitrião.
“Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo, mas nada absolutamente nada justifica o genocídio em curso em Gaza”, afirmou Lula, reforçando que o Brasil não aceitará a escalada do conflito no Oriente Médio.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou nesta terça (23) que abraçou Lula durante a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, e disse que a relação entre eles foi positiva. “Gostei muito dele. Tivemos uma ótima química e vamos nos encontrar novamente na próxima semana”, declarou o republicano, após o breve cumprimento nos bastidores do encontro.
“Eu estava entrando e o líder do Brasil estava saindo. Nós nos vimos. Eu o vi, ele me viu e nós nos abraçamos. Nós combinamos que vamos nos encontrar na próxima semana. Não tivemos muito tempo”, afirmou o presidente americano. A conversa com o petista durou “cerca de 20 segundos”, de acordo com ele.
Durante o discurso, ele ainda elogiou o presidente brasileiro. “Ele parecia um homem muito legal. Ele gostou de mim e eu gostei dele. E eu só faço negócios com pessoas que eu gosto. Quando não gosto de alguém, não gosto mesmo. Tínhamos uma química excelente”, prosseguiu. Lula sorriu após a fala.
O gesto acontece em meio ao pior momento em 201 anos de relações entre Brasil e Estados Unidos. Desde maio, Trump intensificou medidas contra o governo brasileiro: aplicou um tarifaço de 50% sobre cerca de 60% das exportações nacionais, suspendeu vistos de autoridades e ampliou sanções financeiras com base na Lei Magnitsky. Na última rodada, até a esposa do ministro Alexandre de Moraes, Viviane Barci, foi incluída entre os alvos.
Os dois presidentes haviam evitado encontros desde que Trump voltou ao poder e retaliou autoridades brasileiras por causa do processo da trama golpista contra o ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF).
Trump e aliados vinham atacando o Brasil e acusando Lula e as demais autoridades brasileiras de promoverem uma caça às bruxas contra Bolsonaro. O republicano também tem reclamado da defesa da regulamentação das redes sociais no Brasil.
O deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), relator do projeto da anistia. Foto: Billy Boss/Agência Câmara
O relator do projeto de anistia, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), admitiu que a votação pode ser adiada devido a divergências sobre o conteúdo do texto. O impasse acontece enquanto a pauta da Câmara está trancada, já que a urgência constitucional de outro projeto, que recompõe trechos vetados da Lei de Licenciamento Ambiental, precisa ser votada até esta terça (23).
Caso não seja apreciado, impede a votação de qualquer outra matéria, a não ser Medidas Provisórias, o que aumenta a pressão sobre os parlamentares. O governo, buscando impedir a votação da anistia, usou a urgência do Licenciamento Ambiental como moeda de troca.
“Esse PL do Licenciamento realmente tranca a pauta, é um dos problemas que a gente tem. O outro é ouvir os partidos. Começo amanhã a ouvir os partidos e vamos ver o que eles falam. Se tiver entendimento, pode todo tipo de coisa. Se tiver algum ruído, a gente pode deixar para outra semana”, afirmou Paulinho ao jornal O Globo.
A base governista espera que as negociações sobre esse projeto possam resolver o impasse, mas a agenda legislativa também está sendo pressionada pelas manifestações contra a anistia, que ocorreram no domingo (21), e pelas sanções impostas pelos Estados Unidos a autoridades brasileiras.
Protesto contra anistia e a PEC da Blindagem na Avenida Paulista, neste domingo (21). Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
“O ideal é votar o mais rápido possível para tirar isso da frente e discutir o que interessa para o Brasil”, prosseguiu. Ele reconheceu que o clima não é favorável a uma votação imediata e disse que o relatório não irá conceder uma anistia total aos envolvidos nos atos golpistas, mas sim uma redução das penas, o que gera resistência no PL, especialmente entre os seguidores de Jair Bolsonaro.
Para resolver as divergências, Paulinho se reunirá com as bancadas do PL, MDB e Republicanos. O PDT, junto ao PT, é contra qualquer tipo de anistia ou redução de penas para os envolvidos em atos golpistas, o que dificulta ainda mais a aprovação do projeto.
Enquanto isso, no Palácio do Planalto, ministros e líderes tentam usar a urgência da votação do Imposto de Renda como uma forma de condicionar a liberação da agenda. Embora a anistia não seja uma condição para fechar o acordo, o governo busca usar sua postergação como um sinal positivo para a negociação do IR.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, afirmou que a votação do Imposto de Renda deve acontecer na próxima semana, o que adia ainda mais as expectativas sobre o avanço do projeto de anistia. O governo, por sua vez, pressiona para que o compromisso seja antecipado ou, pelo menos, protegido contra novos atrasos.
O presidente Lula (PT) discursa na 80ª edição da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Foto: Reprodução
O presidente Lula (PT) discursou nesta terça-feira (23) na 80ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York. O petista destacou a importância da soberania nacional, mencionou o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), reforçou a pauta ambiental e defendeu a necessidade de reformar organismos internacionais.
Ao abordar o tema da soberania, Lula afirmou que não há justificativa para as retaliações do governo Trump contra o Brasil e que a “agressão contra a independência do Judiciário é inaceitável”.
O petista esteve acompanhado de uma comitiva de ministros, entre eles Mauro Vieira (Relações Exteriores), Marina Silva (Meio Ambiente), Márcia Lopes (Mulheres), Jader Barbalho (Cidades), Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública).
Leia o discurso completo de Lula na ONU:
Senhora Presidenta da Assembleia Geral, Annalena Baerbock,
Senhor Secretário-Geral, António Guterres,
Caros chefes de Estado e de Governo e representantes dos Estados-Membros aqui reunidos.
Este deveria ser um momento de celebração das Nações Unidas.
Criada no fim da Guerra, a ONU simboliza a expressão mais elevada da aspiração pela paz e pela prosperidade.
Hoje, contudo, os ideais que inspiraram seus fundadores em São Francisco estão ameaçados, como nunca estiveram em toda a sua história.
O multilateralismo está diante de nova encruzilhada.
A autoridade desta Organização está em xeque.
Assistimos à consolidação de uma desordem internacional marcada por seguidas concessões à política do poder.
Atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando a regra.
Existe um evidente paralelo entre a crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia.
O autoritarismo se fortalece quando nos omitimos frente a arbitrariedades.
Quando a sociedade internacional vacila na defesa da paz, da soberania e do direito, as consequências são trágicas.
Em todo o mundo, forças antidemocráticas tentam subjugar as instituições e sufocar as liberdades.
Cultuam a violência, exaltam a ignorância, atuam como milícias físicas e digitais, e cerceiam a imprensa.
Mesmo sob ataque sem precedentes, o Brasil optou por resistir e defender sua democracia, reconquistada há quarenta anos pelo seu povo, depois de duas décadas de governos ditatoriais.
Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia.
A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável.
Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias.
Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil.
Não há pacificação com impunidade.
Há poucos dias, e pela primeira vez em 525 anos de nossa história, um ex-chefe de Estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito.
Foi investigado, indiciado, julgado e responsabilizado pelos seus atos em um processo minucioso.
Teve amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam às suas vítimas.
Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis.
Seguiremos como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela.
Democracias sólidas vão além do ritual eleitoral.
Seu vigor pressupõe a redução das desigualdades e a garantia dos direitos mais elementares: a alimentação, a segurança, o trabalho, a moradia, a educação e a saúde.
A democracia falha quando as mulheres ganham menos que os homens ou morrem pelas mãos de parceiros e familiares.
Ela perde quando fecha suas portas e culpa migrantes pelas mazelas do mundo.
A pobreza é tão inimiga da democracia quanto o extremismo.
Por isso, foi com orgulho que recebemos da FAO a confirmação de que o Brasil voltou a sair do Mapa da Fome neste ano de 2025.
Mas no mundo, ainda há 670 milhões de pessoas famintas. Cerca de 2,3 bilhões enfrentam insegurança alimentar.
A única guerra de que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza.
Esse é o objetivo da Aliança Global que lançamos no G20, que já conta com o apoio de 103 países.
A comunidade internacional precisar rever as suas prioridades:
Reduzir os gastos com guerras e aumentar a ajuda ao desenvolvimento;
– Aliviar o serviço da dívida externa dos países mais pobres, sobretudo os africanos; e
– Definir padrões mínimos de tributação global, para que os super-ricos paguem mais impostos que os trabalhadores.
A democracia também se mede pela capacidade de proteger as famílias e a infância.
As plataformas digitais trazem possibilidades de nos aproximar como jamais havíamos imaginado.
Mas têm sido usadas para semear intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação.
A internet não pode ser uma “terra sem lei”. Cabe ao poder público proteger os mais vulneráveis.
Regular não é restringir a liberdade de expressão. É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual.
Ataques à regulação servem para encobrir interesses escusos e dar guarida a crimes, como fraudes, tráfico de pessoas, pedofilia e investidas contra a democracia.
O Parlamento brasileiro corretamente apressou-se em abordar esse problema.
Com orgulho, promulguei na última semana uma das leis mais avançadas do mundo para a proteção de crianças e adolescentes na esfera digital.
Também enviamos ao Congresso Nacional projetos de lei para fomentar a concorrência nos mercados digitais e para incentivar a instalação de datacenters sustentáveis.
Para mitigar os riscos da inteligência artificial, apostamos na construção de uma governança multilateral em linha com o Pacto Digital Global aprovado neste plenário no ano passado.
Senhoras e senhores,
Na América Latina e Caribe, vivemos um momento de crescente polarização e instabilidade.
Manter a região como zona de paz é nossa prioridade.
Somos um continente livre de armas de destruição em massa, sem conflitos étnicos ou religiosos.
É preocupante a equiparação entre a criminalidade e o terrorismo.
A forma mais eficaz de combater o tráfico de drogas é a cooperação para reprimir a lavagem de dinheiro e limitar o comércio de armas.
Usar força letal em situações que não constituem conflitos armados equivale a executar pessoas sem julgamento.
Outras partes do planeta já testemunharam intervenções que causaram danos maiores do que se pretendia evitar, com graves consequências humanitárias.
A via do diálogo não deve estar fechada na Venezuela.
O Haiti tem direito a um futuro livre de violência.
E é inadmissível que Cuba seja listada como país que patrocina o terrorismo.
No conflito na Ucrânia, todos já sabemos que não haverá solução militar.
O recente encontro no Alaska despertou a esperança de uma saída negociada.
É preciso pavimentar caminhos para uma solução realista.
Isso implica levar em conta as legítimas preocupações de segurança de todas as partes.
A Iniciativa Africana e o Grupo de Amigos da Paz, criado por China e Brasil, podem contribuir para promover o diálogo.
Nenhuma situação é mais emblemática do uso desproporcional e ilegal da força do que a da Palestina.
Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo.
Mas nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza.
Ali, sob toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes.
Ali também estão sepultados o Direito Internacional Humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente.
Esse massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo.
Em Gaza a fome é usada como arma de guerra e o deslocamento forçado de populações é praticado impunemente.
Expresso minha admiração aos judeus que, dentro e fora de Israel, se opõem a essa punição coletiva.
O povo palestino corre o risco de desaparecer.
Só sobreviverá com um Estado independente e integrado à comunidade internacional.
Esta é a solução defendida por mais de 150 membros da ONU, reafirmada ontem, aqui neste mesmo plenário, mas obstruída por um único veto.
É lamentável que o presidente Mahmoud Abbas tenha sido impedido pelo país anfitrião de ocupar a bancada da Palestina nesse momento histórico.
O alastramento desse conflito para o Líbano, a Síria, o Irã e o Catar fomenta escalada armamentista sem precedentes.
Senhora presidenta,
Bombas e armas nucleares não vão nos proteger da crise climática.
O ano de 2024 foi o mais quente já registrado.
A COP30, em Belém, será a COP da verdade.
Será o momento de os líderes mundiais provarem a seriedade de seu compromisso com o planeta.
Sem ter o quadro completo das Contribuições Nacionalmente Determinadas (as NDCs), caminharemos de olhos vendados para o abismo.
O Brasil se comprometeu a reduzir entre 59 e 67% suas emissões, abrangendo todos os gases de efeito estufa e todos os setores da economia.
Nações em desenvolvimento enfrentam a mudança do clima ao mesmo tempo em que lutam contra outros desafios.
Enquanto isso, países ricos usufruem de padrão de vida obtido às custas de duzentos anos de emissões.
Exigir maior ambição e maior acesso a recursos e tecnologias não é uma questão de caridade, mas de justiça.
A corrida por minerais críticos, essenciais para a transição energética, não pode reproduzir a lógica predatória que marcou os últimos séculos.
Em Belém, o mundo vai conhecer a realidade da Amazônia.
O Brasil já reduziu pela metade o desmatamento na região nos dois últimos anos.
Erradicá-lo requer garantir condições dignas de vida para seus milhões de habitantes.
Fomentar o desenvolvimento sustentável é o objetivo do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que o Brasil pretende lançar para remunerar os países que mantêm suas florestas em pé.
É chegado o momento de passar da fase de negociação para a etapa de implementação.
O mundo deve muito ao regime criado pela Convenção do Clima.
Mas é necessário trazer o combate à mudança do clima para o coração da ONU, para que ela tenha a atenção que merece.
Um Conselho vinculado à Assembleia Geral com força e legitimidade para monitorar compromissos dará coerência à ação climática.
Trata-se de um passo fundamental na direção de uma reforma mais abrangente da Organização, que contemple também um Conselho de Segurança ampliado nas duas categorias de membros.
Poucas áreas retrocederam tanto como o sistema multilateral de comércio.
Medidas unilaterais transformam em letra morta princípios basilares como a cláusula de Nação Mais Favorecida.
Desorganizam cadeias de valor e lançam a economia mundial em uma espiral perniciosa de preços altos e estagnação.
É urgente refundar a OMC em bases modernas e flexíveis.
Senhoras e senhores,
Este ano, o mundo perdeu duas personalidades excepcionais: o ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, e o Papa Francisco.
Ambos encarnaram como ninguém os melhores valores humanistas.
Suas vidas se entrelaçaram com as oito décadas de existência da ONU.
Se ainda estivessem entre nós, provavelmente usariam esta tribuna para lembrar:
– Que o autoritarismo, a degradação ambiental e a desigualdade não são inexoráveis;
– Que os únicos derrotados são os que cruzam os braços, resignados;
– Que podemos vencer os falsos profetas e oligarcas que exploram o medo e monetizam o ódio; e
– Que o amanhã é feito de escolhas diárias e é preciso coragem de agir para transformá-lo.
No futuro que o Brasil vislumbra não há espaço para a reedição de rivalidades ideológicas ou esferas de influência.
A confrontação não é inevitável.
Precisamos de lideranças com clareza de visão, que entendam que a ordem internacional não é um “jogo de soma zero”.
O século 21 será cada vez mais multipolar. Para se manter pacífico, não pode deixar de ser multilateral.
O Brasil confere crescente importância à União Europeia, à União Africana, à ASEAN, à CELAC, aos BRICS e ao G20.
A voz do Sul Global deve ser ouvida.
A ONU tem hoje quase quatro vezes mais membros do que os 51 que estiveram na sua fundação.
Nossa missão histórica é a de torná-la novamente portadora de esperança e promotora da igualdade, da paz, do desenvolvimento sustentável, da diversidade e da tolerância.
Em seu discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), nesta terça (23), o presidente Lula abordou a recente condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e afirmou que “o Brasil deu recado a candidatos autocratas”. Seu antecessor foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por liderar uma trama golpista em 2022, quando foi derrotado nas eleições.
“Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade. Há poucos dias, e pela primeira vez em 525 anos de nossa história, um ex-chefe de Estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito”, afirmou.
Lula detalhou o processo que levou à condenação de Bolsonaro, lembrando que ele foi “investigado, indiciado, julgado e responsabilizado pelos seus atos em um processo minucioso”. O presidente também enfatizou que o ex-mandatário teve “amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam a suas vítimas”.
O petista afirma que o Supremo Tribunal Federal (STF) mostrou que “nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis” com o julgamento de Bolsonaro. “Seguiremos como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela”, prosseguiu.
A Assembleia Geral da ONU é o evento principal das Nações Unidas e reúne os líderes dos 193 países membros. Tradicionalmente, o Brasil abre os debates, e este ano, a 80ª edição da Assembleia teve a presença de Lula, que defendeu a soberania nacional e a resistência do país, apesar das adversidades enfrentadas.
Durante o discurso, o presidente também se posicionou sobre a regulação das redes sociais. Segundo Lula, os ataques às medidas de controle das plataformas visam “encobrir interesses escusos”, apontando que alguns países ou grupos tentam desestabilizar o Brasil.
“Mesmo sob ataque sem precedentes, o Brasil optou por resistir e defender sua democracia reconquistada há 40 anos pelo seu povo depois de duas décadas de governos ditatoriais”, acrescentou, citando os ataques e sanções dos Estados Unidos.
Embora não tenha mencionado diretamente o país, ele disse que “não há justificativas para as medidas unilaterais e arbitrárias contra as nossas instituições e nossa economia”.
Agressão contra a independência do poder Judiciário é inaceitável. Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema-direita subserviente e saudosa das antigas hegemonias”, completou.