quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Como governo do RJ impediu perícia da PF nos 121 corpos de mortos em chacina

 

     Fila de corpos após chacina na Penha. Foto: Eduardo Anizelli/Folhapres


O governo do Rio de Janeiro recusou o apoio de peritos da Polícia Federal (PF) nas autópsias dos corpos das vítimas da megaoperação realizada nos complexos da Penha e do Alemão, que causou uma chacina com 121 mortos, incluindo quatro policiais. A ação, que entrou para a história como a mais letal do Brasil, permanece sob questionamento de familiares das vítimas, órgãos de direitos humanos e autoridades federais.

O envio de 30 peritos federais havia sido anunciado pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, após um acerto prévio com o governador Cláudio Castro na quinta-feira (30). Horas depois, porém, a cúpula da Segurança Pública do Rio informou ao Ministério da Justiça que a colaboração da PF “não seria necessária”, alegando, segundo Daniela Lima do Uol, que as necropsias já haviam sido concluídas pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Estado.

Em mensagem enviada ao governo federal, a Secretaria de Segurança afirmou que os trabalhos no Instituto Médico Legal (IML) estavam finalizados e que “as equipes do Estado e do Ministério Público já haviam encerrado as autópsias, permitindo o avanço para outras etapas”.

Contradições e atraso nas autópsias

A declaração, no entanto, diverge de informações oficiais divulgadas pelo próprio governo fluminense. No mesmo dia em que o secretário de Segurança afirmou ter concluído os exames, familiares das vítimas protestaram em frente ao IML, cobrando a liberação dos corpos. Em nota à imprensa, o instituto informou que havia analisado apenas 80 das 121 vítimas até aquele momento.

O trabalho de perícia só foi oficialmente concluído no domingo (2), quando o governo estadual divulgou a lista com os nomes de 115 dos 117 suspeitos identificados.

A autópsia é considerada um passo essencial para determinar as circunstâncias das mortes. Testemunhas e parentes relataram casos de corpos decapitados, mutilados, com perfurações de faca e tiros na nuca, sinais que podem indicar execução de pessoas rendidas.

Após ser informado da recusa, o ministro Lewandowski entrou novamente em contato com Cláudio Castro. O governador bolsonarista teria alegado uma “falha de comunicação” e prometido ajustar a cooperação. No dia seguinte, o secretário de Segurança, Victor Cesar Carvalho dos Santos, enviou um ofício ao Ministério da Justiça aceitando o apoio da PF, mas com restrições.

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Foto: Lima/Divulgação
O documento autorizou a atuação dos peritos federais apenas em duas frentes: o exame balístico das armas apreendidas com suspeitos mortos e o rastreamento de armamentos provenientes de outros estados. Também foi solicitado apoio do Instituto Nacional de Identificação (INI), vinculado à PF, para confirmar a identidade de criminosos supostamente oriundos de fora do Rio.

A limitação da perícia, no entanto, impede que os especialistas federais tenham acesso às armas utilizadas pelos policiais durante a operação, ponto central para investigar possíveis execuções. Essa delimitação gerou desconforto entre os governos estadual e federal e foi vista como um recuo diante da promessa inicial de colaboração ampla.

A decisão do governo fluminense ocorre em meio à pressão por uma investigação independente sobre a operação, que teve repercussão internacional. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) classificou o episódio como “matança” e defendeu apuração rigorosa das circunstâncias das mortes.

A Organização das Nações Unidas (ONU) e entidades de direitos humanos também cobraram transparência e responsabilização. A ONU destacou que a letalidade policial no Brasil “atinge níveis inaceitáveis” e pediu que o governo garanta o cumprimento das normas internacionais sobre o uso proporcional da força.

Fonte: DCM

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