Marilena Chauí deu entrevista à Folha, na qual falou sobre os mais diversos temas de política e atualidades:
☆ Sobre Trump
A visão que eu tenho do Trump é de que ele está desinstitucionalizando os Estados Unidos. Ele faz intervenções pontuais em lugares de conflito: Gaza, Ucrânia, Venezuela… E a resposta que deu a perguntas do motivo disso foi: “Porque eu posso”.
Então, a imagem que eu tenho é a do fim do império americano. Trump se apresenta como o portador do antigo imperialismo, mas esse imperialismo está quebrado por dentro.
Do mesmo modo que, no fim do Império Romano, você teve figuras como Calígula e Caracala, nos EUA você tem Trump, ou seja, um desmando no nível da sua própria personalidade, do tipo eu quero, eu posso, eu faço. E isso desinstitui um país e põe em risco todas as relações planetárias estabelecidas.
Por enquanto, ele tem sustentação ideológica por causa do crescimento da extrema direita no mundo. Mas não sei até quando vai esse suporte político.
☆ Sobre a classe média
Ah, sim, [odeio] com todas as minhas forças. Eu odeio a classe média até o fim dos meus dias.
Por que é que eu odeio a classe média? A sociedade capitalista tem duas classes fundamentais: a classe trabalhadora, que produz a mais-valia, e a burguesia. O trabalho da burguesia é explorar o trabalhador, porque uma parte do trabalho dele não é paga e vira capital.
O lugar, o papel, o significado, a relação dessas duas classes são claríssimos. Entre elas, tem uma terceira, que não tem lugar econômico porque não está nem na classe trabalhadora nem na classe burguesa. E a função da classe média é ideológica: espalhar as ideias da burguesia, da classe dominante.
Como a classe média não sabe muito bem onde está, ela fica insegura. Ela tem um sonho e um pesadelo. O sonho é se tornar burguesa. Pensa que se tiver um apartamento com dez suítes, churrasqueira na varanda, não sei o que mais, está já próxima disso. Mas ela não está.
Enquanto não receber a mais-valia, ela não entra na burguesia. Ela pode ficar rica, mas burguesa ela não é. E por isso ela tem um pesadelo, que é cair na classe dominada, na classe trabalhadora.
Então, a classe média funciona oprimindo os dominados e festejando e bajulando os dominantes. Por isso ela é odiosa. Ela é o cimento ideológico que garante que essa sociedade fique como está. É isso que acho odioso nela: não perceber que essa sociedade como está não pode ser.
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