Verbas públicas são direcionadas a programas sem detalhamento prévio, contrariando decisões do STF e comprometendo a transparência
Um levantamento realizado pelo jornal O Globo revela que o Congresso Nacional destinou quase R$ 10 bilhões em emendas parlamentares de 2025 para ações orçamentárias genéricas, sem especificar como ou onde os recursos serão aplicados. A manobra contraria decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), que exige maior transparência na execução do orçamento público.
De acordo com os dados, cerca de R$ 9,7 bilhões foram direcionados a rubricas amplas como “fomento à agricultura” e “apoio a projetos de infraestrutura turística”. Na prática, essas categorias abrangem desde a compra de tratores até a pavimentação de ruas, mas os detalhes de aplicação só surgem posteriormente, por meio de ofícios enviados por parlamentares aos ministérios, sem necessariamente se tornarem públicos.
Especialistas veem nessa sistemática uma forma de dificultar o rastreamento do dinheiro por órgãos de controle e, assim, manter o controle político sobre os recursos. “O número [de emendas] vem caindo porque o parlamentar só precisa definir o destino e o objeto no momento da execução”, explica Hélio Tollini, especialista em orçamento.
Crescimento exponencial de verbas em ações genéricas - Os recursos concentraram-se em apenas seis das 275 ações orçamentárias passíveis de emendas. Essas rubricas incluem ainda termos vagos como “desenvolvimento de atividades e apoio a projetos de esporte, educação, lazer” e “desenvolvimento de políticas de segurança pública”.
Desde 2016, quando o valor ajustado pela inflação girava em torno de R$ 1 bilhão, houve uma multiplicação por dez do montante destinado a essas ações genéricas.
A ação mais beneficiada, com R$ 3,65 bilhões, é o “apoio a projetos de desenvolvimento sustentável local integrado”, sob responsabilidade do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, comandado por Waldez Góes (PDT), indicado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). O próprio manual de emendas informa que os recursos podem ser utilizados desde obras viárias até a construção de cisternas.
O senador Weverton (PDT-MA) destinou R$ 23 milhões a essa rubrica. Segundo ele, o dinheiro será aplicado no Maranhão em obras e aquisição de máquinas agrícolas. “Na hora de se tomar a decisão (sobre como o recurso será gasto) é que o deputado ou senador manda um ofício com sua opinião formada. Não vejo problema nenhum, pelo contrário, dá mais condições de atender a demanda de acordo com a realidade de cada município”, afirmou.
No entanto, como esses ofícios nem sempre são divulgados, o destino exato das verbas públicas só se torna conhecido após sua execução.
Emendas de comissão concentram grandes volumes - Outro caso emblemático é o da ação “apoio a projetos de infraestrutura turística”, que recebeu R$ 1,3 bilhão — dos quais R$ 1 bilhão via emendas parlamentares. Quase todo esse valor partiu de duas propostas genéricas: R$ 500 milhões da Comissão de Turismo da Câmara e R$ 400 milhões da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado. A pulverização desses recursos acontecerá somente após a definição individualizada dos projetos, novamente via ofícios.
Para Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, essa prática compromete tanto o planejamento quanto a transparência. “Se praticamente todo o orçamento de um ministério se concentra em uma única ação orçamentária, ela perde o sentido de existir. O ideal seria que houvesse um mínimo de detalhamento”, afirma.
Atoji ressalta ainda que o governo federal, responsável por repassar os recursos a estados e municípios, também só tem conhecimento da destinação real das emendas após a indicação feita pelo parlamentar.
Redução de investimentos estruturantes - Outro alerta é a mudança na natureza dos gastos. Um estudo da consultoria da Câmara dos Deputados mostra queda no percentual de emendas destinadas a investimentos. Em 2023, 95% das emendas atendiam a essa finalidade. Neste ano, esse número caiu para 85%, com crescimento do volume alocado em despesas de custeio — usadas para manutenção da máquina pública.
O levantamento, solicitado pela deputada Adriana Ventura (Novo-SP), aponta que 57% das emendas de bancadas estaduais em 2024 foram destinadas a custeio. A parlamentar critica a justificativa de que as ações genéricas serviriam para viabilizar grandes obras: “Analisando o histórico, vê-se que pouco é feito nesse sentido”, afirmou.
STF exige transparência, mas Congresso resiste - Nos últimos meses, o Supremo Tribunal Federal intensificou a cobrança por transparência no uso das emendas parlamentares. O ministro Flávio Dino determinou que a Câmara e o Senado esclareçam como pretendem identificar os autores das emendas de comissão e bancada. Também pediu explicações à Advocacia-Geral da União (AGU) sobre o uso do Cadastro Integrado de Projetos de Investimento, ferramenta que deveria auxiliar na identificação de projetos prioritários.
Apesar dessas medidas, a resistência no Congresso se mantém firme, sustentada por um modelo orçamentário que favorece o controle político descentralizado dos recursos públicos e dificulta o controle social e institucional.
Fonte: Brasil 247 com informações do jornal O Globo
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