segunda-feira, 5 de maio de 2025

Após a queda de Lupi, mídia já pressiona por uma nova reforma da Previdência

Especialistas alertam para ofensiva do mercado sobre a seguridade social, um dos setores mais cobiçados pelo capital privado

      (Foto: Reprodução)

Com a saída de Carlos Lupi do comando do Ministério da Previdência, parte da mídia corporativa intensificou o coro por uma nova reforma do sistema previdenciário brasileiro. O movimento ocorre em meio à deterioração das contas públicas e às transformações no mercado de trabalho, mas também evidencia o apetite do setor privado sobre a seguridade social — um dos negócios mais lucrativos e desejados por grandes grupos financeiros.

A reportagem foi publicada originalmente por O Estado de S. Paulo, que destacou a combinação de fatores como o envelhecimento populacional, o avanço da informalidade e as novas preferências da Geração Z como justificativas para uma antecipação do debate sobre a reforma da Previdência. Mas especialistas ouvidos pela reportagem e por outros veículos apontam que, por trás dessa pressão, há interesses bilionários em torno do desmonte progressivo do modelo público e solidário da seguridade.

◉ A disputa em torno de um sistema bilionário

A Previdência Social brasileira integra o tripé da seguridade — ao lado da saúde e da assistência — e movimenta cifras que ultrapassam R$ 1 trilhão por ano. Não por acaso, tem sido um alvo constante de propostas de "modernização", quase sempre guiadas por agendas de redução do papel do Estado e ampliação do espaço para fundos de pensão e planos privados.

“O Brasil terá de enveredar por outros caminhos”, afirmou Paulo Tafner, economista e presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social, em entrevista ao Estadão. “Vamos ter de criar um sistema de capitalização. A contribuição exclusivamente sobre as relações de trabalho formais não será suficiente. Vamos ter de criar um mecanismo de tributar a renda, não apenas a relação do trabalho.”

Na visão de Tafner, a capitalização — sistema no qual cada trabalhador contribui individualmente para sua própria aposentadoria — seria inevitável, o que abriria um vasto campo de negócios para o setor financeiro.

◉ Críticas à lógica fiscalista e ao desmonte progressivo

Para o professor José Roberto Afonso, do IDP e da Universidade de Lisboa, a questão não se resume a cortar gastos ou elevar a idade mínima. “É necessário repensar também as contribuições e as fontes de receita, e inovar na forma como enxergamos a seguridade social, incluindo assistência, seguro-desemprego e saúde”, afirma.

Segundo Afonso, o atual modelo, desenhado para a formalidade, precisa ser atualizado diante da explosão do trabalho por aplicativos e da chamada "pejotização". “É hora de revisitar a própria concepção do que entendemos por reforma previdenciária”, conclui.

◉ Geração Z e o declínio da contribuição tradicional

As novas gerações, especialmente a Geração Z, também desafiam o modelo tradicional de Previdência. Muitos jovens evitam vínculos formais, preferindo múltiplas fontes de renda e horários flexíveis. Esse comportamento contribui para a informalização e, consequentemente, para a redução da base de arrecadação.

“Desde o início do século, os próprios empregadores privados passaram a preferir contratar trabalhadores como prestadores de serviço, em vez de celetistas”, observa Afonso. A arrecadação das contribuições sobre salários caiu de 5,63% do PIB em 2019 para 4,96% em 2024.

◉ A bomba-relógio fiscal

Dados da Pnad/IBGE revelam que 67,7 milhões de brasileiros contribuíam para a Previdência em dezembro de 2023 — cerca de 65,3% da população ocupada. Apesar do recorde, o percentual já foi mais alto e tende a cair com o envelhecimento da população.

O gasto previdenciário representa quase metade das despesas obrigatórias do governo. A projeção para 2025 é de R$ 1,130 trilhão, de um total de R$ 2,385 trilhões em gastos. Em 2029, esse valor pode alcançar R$ 1,375 trilhão.

Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, defende ajustes de curto prazo, como rever a política de valorização do salário mínimo, intensificar auditorias para coibir fraudes e avançar na digitalização da gestão dos benefícios. “Não é possível dar um aumento acima da inflação. Ou é isso ou é preciso desindexar o Orçamento público do salário mínimo”, afirmou ao Estadão.

◉ A pressão internacional e a lógica privatista

A ofensiva pelo desmonte do sistema público não é exclusividade do Brasil. “Muitos países estão repensando o trabalho e a proteção social. Na Europa, já foram adotadas medidas para retardar aposentadorias”, observa José Roberto Afonso.

Mas, segundo críticos, essas reformas frequentemente atendem à lógica fiscalista e aos interesses de grandes grupos econômicos. Ao abrir espaço para fundos privados e planos complementares, o Estado transfere para o mercado áreas historicamente tratadas como direitos sociais — um processo que transforma a seguridade em mercadoria.

Com a saída de Carlos Lupi do ministério, setores da mídia e do mercado parecem enxergar uma oportunidade para acelerar esse processo. A batalha que se desenha não é apenas fiscal: é política e ideológica, e diz respeito a quem deve garantir os direitos sociais dos brasileiros — o Estado ou os acionistas.

Fonte; Brasil 247 com reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo

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