“Desde 1980, os trabalhadores só perderam, enquanto a concentração de renda aumentou. Então que resposta podemos dar?”, questiona o presidente
Em entrevista à revista norte-americana The New Yorker, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um diagnóstico contundente da crise democrática global, afirmando que o modelo construído no pós-guerra está em colapso e que a democracia começa a ruir quando deixa de atender às necessidades concretas da população. “Desde 1980, os trabalhadores dos países que construíram o Estado de bem-estar social só perderam, enquanto a concentração de renda aumentou. Então que resposta podemos dar à sociedade brasileira? E à sociedade alemã e americana?”, questionou o presidente.
A declaração faz parte de uma conversa ampla sobre o cenário internacional, na qual Lula expressa preocupação com o avanço de líderes populistas de extrema direita e com o esvaziamento do multilateralismo como princípio de convivência entre as nações. “A democracia que aprendemos a viver após a Segunda Guerra Mundial, o funcionamento do multilateralismo como papel importante nas relações entre Estados, o respeito à diversidade, à soberania de cada país está desaparecendo”, afirmou. “O que vem depois, não sabemos.”
◎ Crítica ao belicismo e à hipocrisia das potências - Ao abordar o conflito na Ucrânia, Lula reiterou sua posição contrária à polarização promovida pelos países desenvolvidos. Contou que recusou um pedido do chanceler alemão Olaf Scholz para vender mísseis brasileiros, declarando: “Não quero nenhum ucraniano ou russo morto com uma arma brasileira.” Também revelou desconforto com o discurso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que segundo ele é aplaudido por parlamentares republicanos mesmo quando profere absurdos. “Era quase o mesmo tipo de discurso que anarquistas faziam no início do século, pedindo uma sociedade sem instituições, onde impera o capital.”
Lula ressaltou que, mesmo com o histórico de guerras, os EUA sempre se apresentaram como defensores da paz e da democracia. Contudo, segundo ele, o retorno de Trump à presidência intensificou práticas imperialistas na América Latina e promoveu a desestabilização da ordem internacional. “Agora tem o Trump, que às vezes se comporta como...”, disse, interrompendo-se antes de criticar duramente o ex-presidente norte-americano.
◎ Trump e a submissão de vizinhos latino-americanos - Na avaliação de Lula, líderes conservadores da América Latina têm se alinhado de maneira subserviente à política externa de Trump. Ele citou, por exemplo, o presidente da Argentina, Javier Milei, que presenteou Elon Musk com uma motosserra gravada e chamou Trump de “um dos dois políticos mais relevantes do planeta”. Também criticou a atuação de Nayib Bukele, presidente de El Salvador, que aceitou receber deportados dos EUA em presídios locais.
Sobre o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, Lula compartilhou a insatisfação de líderes locais diante da ampliação da presença militar americana no canal do Panamá. Uma fonte panamenha confidenciou à revista: “Mulino não para de entregar o rabo para o Trump a cada movimento, em troca de nada.”
◎ A defesa de um mundo multipolar e cooperativo - Lula defendeu enfaticamente o multilateralismo e a necessidade de cooperação global para lidar com problemas como as mudanças climáticas. “Se não controlarmos o ar, todos seremos vítimas da poluição. Se o mar subir, todos serão afetados. Ainda não caiu a ficha dos líderes de que precisamos de governança global para certas decisões”, afirmou. Segundo ele, o mundo precisa de menos armas e mais comida. “Ano passado, o mundo gastou US$ 2,4 trilhões em armas, enquanto 730 milhões de pessoas dormem sem saber se terão café da manhã. Isso deveria ser a principal preocupação da humanidade.”
O presidente também mencionou a importância da China como alternativa tecnológica e econômica diante do domínio ocidental. “Ainda bem que temos a China, que pode competir no mundo da inteligência artificial e nos oferece uma alternativa nesse debate”, afirmou, criticando a hostilidade dos EUA e da Europa ao avanço chinês. Para Lula, a atual guerra comercial é reflexo do medo das potências tradicionais frente ao sucesso chinês em adotar os princípios do livre comércio.
◎ Recado ao governo dos EUA - Ao final da entrevista, Lula abordou a tarifa de 25% imposta pelos Estados Unidos sobre o aço brasileiro. “Haverá reciprocidade. Mas, antes disso, queremos mostrar aos EUA o que significam duzentos anos de relações diplomáticas e comerciais com o Brasil”, disse. E mandou um recado direto: “O que os EUA importam do Brasil, transformam e exportam de volta. É uma via de mão dupla. Queremos negociar diplomaticamente. Se não for possível, tomaremos medidas.”
Por ora, segundo Lula, Trump não o procurou para conversar. “Se ele quiser falar comigo como representante do Estado americano, conversarei com tranquilidade. Mas até agora também não tive interesse em falar com ele. Se um dia tiver um problema e precisar ligar para ele, eu ligo”, concluiu.
Fonte: Brasil 247
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