sábado, 10 de maio de 2025

“Acordão” para reduzir penas de golpistas é “suicídio institucional”, dizem juristas


Bolsonaristas durante atos golpistas em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. Foto: Reprodução

Um artigo publicado pelo advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, e pelo jurista Lenio Streck, na Folha de S.Paulo na última sexta-feira (9), destaca que não é adequado um acordo para reduzir as penas dos bolsonaristas envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília, e classifica essa ideia como um “prenúncio de um suicídio institucional”.

Confira trechos:

É da natureza da política buscar a conciliação em situações de forte antagonismo. Por isso, os ensaios para um eventual acordo entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal para reduzir as penas do “processo de 8 de janeiro” podem até parecer legítimos.

No entanto, trata-se exatamente do contrário. A criação de um novo tipo penal por conveniência política, reduzindo penas que hoje vão até 20 anos para penas de 2 a 6 anos, será o prenúncio de um suicídio institucional decorrente desse tsunami político, com resultados desastrosos para o país.

A credibilidade de qualquer sistema jurídico se fundamenta na previsibilidade e na segurança jurídica. Em outras palavras, na garantia de que as regras do jogo não devem mudar de acordo com o placar. É o que esse verdadeiro “acordão” propõe: abrir espaço para excepcionalidades, justificadas por circunstâncias políticas do momento.

Fazer revisões extraordinárias de uma pena mediante acordos políticos afeta a própria independência e a harmonia entre os Poderes. Como pretender que convivam harmonicamente se permitimos que a competência de um seja usurpada pelo outro? (…)

Um acordo dessa natureza, pretendendo criar um novo tipo penal para “ação coletiva influenciada por multidão”, com penas muito mais brandas, pode transformar golpe de Estado em um crime insignificante.

Na prática é um “liberou geral”, uma espécie de salvo-conduto para delinquir. É a democracia contra ela mesma.

Ainda que a proposta tente diferenciar líderes e participantes, mantendo penas mais severas para os primeiros, ela envia um sinal perigoso à sociedade: o de que tentar acabar com a democracia pode ter consequências mínimas.

A bolsonarista Débora Rodrigues dos Santos, que pichou a frase “perdeu, mané” na estátua “A Justiça” durante os atos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília. Foto: Reprodução

Há um aspecto ainda mais grave, porque o precedente abrirá caminho para outras revisões. Permitida a revisão de penas na área criminal, faltará apenas um pequeno passo para fazê-lo na área eleitoral —quem pode o mais, certamente pode o menos, dirão. Ingenuidade acreditar no contrário.

Impossível ignorar, também, a seletividade penal. No sistema prisional brasileiro há milhares de mulheres —majoritariamente pobres, pretas e periféricas— que poderiam se beneficiar de remissão de pena ou prisão domiciliar por serem mães de crianças pequenas, como ocorreu com Débora Rodrigues dos Santos, a “Débora do batom”, condenada pelo 8 de janeiro e beneficiada por um regime de prisão domiciliar por ter filho menor de 12 anos. Estranhamente não se fala disso. (…)

Numa palavra: acordos políticos para revisão de penas impostas pela Justiça não trarão pacificação, mas sim a reabertura de uma perigosa fissura institucional que pode se transformar em um abismo para a própria democracia.

Fonte: DCM

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