Brasil vê caráter explicitamente político das tarifas e não espera um recuo de Donald Trump
Diante da aproximação do prazo de 1º de agosto para o início da cobrança de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros pelos Estados Unidos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já trata a medida como praticamente irreversível. Segundo reportagem da BBC News Brasil, membros do núcleo mais próximo do Planalto avaliam que dificilmente o presidente norte-americano Donald Trump voltará atrás, como ocorreu em episódios anteriores envolvendo países como China e União Europeia.
Embora a diplomacia brasileira siga apostando em uma saída negociada, fontes ouvidas pela reportagem em caráter reservado revelam que as sinalizações mais recentes da Casa Branca reforçam o entendimento de que a imposição tarifária deve ser mantida. Entre os indícios estão postagens de Trump atacando o Supremo Tribunal Federal (STF) e a revogação de vistos de ministros da Corte, como Alexandre de Moraes, e do procurador-geral da República, Paulo Gonet.
☆ Tarifa com motivação política - Um dos pontos mais sensíveis identificados por auxiliares de Lula é o caráter explicitamente político das sanções. Segundo um interlocutor do presidente ouvido pela BBC, ao atrelar as tarifas ao julgamento de Jair Bolsonaro pelo STF, Trump abandona qualquer justificativa econômica. “A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Este julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”, escreveu Trump em carta enviada na semana passada.
Apesar do histórico de recuos da atual gestão norte-americana em relação a outros países — como no caso da China, onde tarifas chegaram a ser reduzidas após negociações bilaterais —, a percepção no Palácio do Planalto é de que, com o Brasil, o cenário é diferente. Um dos fatores seria a tentativa de interferência na eleição presidencial de 2026, na qual Bolsonaro, atualmente inelegível, poderia ter sua reabilitação judicial pressionada por meio de medidas econômicas.
☆ Estratégia tripla: negociação, mobilização e retaliação - Mesmo diante da dificuldade de comunicação com o governo Trump, o Brasil mantém canais formais abertos com o USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA), sob a liderança do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). Além disso, o governo tem reforçado ações em duas outras frentes: sensibilização de políticos e empresários norte-americanos e preparação de retaliações.
Uma missão parlamentar liderada pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS) viajará a Washington nos próximos dias com o objetivo de convencer congressistas e membros do governo norte-americano a reavaliar os impactos das tarifas. Internamente, o Planalto também orienta empresários brasileiros a mobilizarem seus parceiros comerciais nos EUA para exercerem pressão contrária à medida.
“Queremos mostrar que as tarifas vão afetar diretamente o consumidor norte-americano médio, encarecendo itens do cotidiano como café e suco de laranja”, explicou um assessor do governo.
Em paralelo, técnicos da Presidência, do Ministério da Fazenda e do MDIC estudam opções legais e econômicas para uma eventual retaliação. Em pronunciamento em rede nacional, Lula classificou a medida como "chantagem inaceitável" e garantiu que o Brasil usará "todos os instrumentos legais" para reagir, incluindo a Lei da Reciprocidade e ações na Organização Mundial do Comércio (OMC).
☆ Divergência sobre medidas contra empresas americanas - Em evento da UNE em Goiânia, Lula sinalizou que o governo avalia ampliar a taxação de empresas digitais dos EUA. “Eu queria dizer para vocês que a gente vai julgar e vai cobrar impostos das empresas americanas digitais”, disse o presidente. No entanto, no dia seguinte, o Ministério da Fazenda publicou nota oficial negando que o governo avalie controlar dividendos ou adotar medidas mais rigorosas de retaliação.
Fontes do Planalto afirmam que qualquer decisão nesse sentido só será anunciada após o aval direto de Lula, justamente para evitar exposição prematura de estratégias em um cenário ainda imprevisível. Nos bastidores, especula-se que as represálias brasileiras poderiam envolver a quebra de patentes de medicamentos e direitos autorais de produtos culturais.
☆ Interferência bolsonarista nos EUA - O governo brasileiro também vê com preocupação a atuação de figuras próximas a Bolsonaro no processo de articulação das tarifas, especialmente o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se mudou para os Estados Unidos no início do ano. Segundo uma fonte do governo, as decisões estariam sendo tomadas fora dos canais institucionais habituais, com forte influência do entorno político do ex-presidente.
Esse alinhamento entre bolsonarismo e trumpismo, avaliam interlocutores de Lula, representa mais do que um embate comercial: é um capítulo da disputa geopolítica e ideológica entre os dois líderes e suas respectivas visões de mundo.
Fonte: Brasil 247 com reportagem da BBC News Brasil