Liminar da Justiça Federal no Acre atende ao pedido feito pelo Ministério Público Federal
A Justiça Federal no Acre suspendeu, na sexta-feira (25), a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que impunha novas restrições ao atendimento médico de pessoas trans, especialmente crianças e adolescentes.
De acordo com o comunicado do Ministério Público Federal (MPF), a decisão destaca que a resolução foi elaborada exclusivamente pelo CFM, diferentemente de uma anterior, que foi resultado de um amplo debate com diversos representantes da sociedade civil e pesquisadores. A falta de participação das diversas especialidades médicas e não médicas (psicologia, serviço social, antropologia, sociologia, etc.), que o próprio CFM reconheceu em outra oportunidade como necessárias para a regulamentação do tema, configura um “vício procedimental”.
A liminar atende ao pedido feito pelo Ministério Público Federal e considera três aspectos principais na discussão:
• o direito à saúde, o direito à liberdade de fazer o que se compreende como melhor para si e a autodeterminação que, asseguram aos indivíduos o direito de decidirem por si mesmos o tratamento para suas necessidades, sem que o Estado se intrometa;
• as reiteradas manifestações do STF proclamando que o Estado e seus órgãos devem se pautar pela medicina baseada em evidências, e
• o princípio da razoabilidade, que exige que as pessoas somente possam ter sua autonomia, liberdade e bens limitados mediante o devido processo legal substantivo, e esse processo pressupõe a exposição de um fim público e medidas adequadas e necessárias.
Vício formal e material – Além do vício formal, o juízo identificou vícios materiais. A resolução cria um “cadastro” de pacientes trans, o que é considerado incompatível com o direito à privacidade, intimidade e dignidade humana. “O objetivo de que pessoas sejam monitoradas pelo Estado atrita com a ideia de dignidade humana e traz consigo a presunção de quem assim propõe não é bem-intencionado, não possui honestidade intelectual e por isso não deve ser levado a sério”, afirma o juiz federal Jair Araújo Facundes.
Em relação às terapias hormonais, o CFM defendeu a vedação de bloqueadores hormonais para crianças e adolescentes com base na falta de pesquisas durante a vigência da Resolução no 2.265/19 e em estudos europeus como o “Cass Review”, elaborado no Reino Unido.
A decisão liminar registra que o Poder Judiciário não possui expertise para intervir diretamente em debates científicos, de modo que a atuação do Judiciário se faz necessária para examinar a coerência das justificativas apresentadas em atos administrativos que impactam tratamentos de saúde.
Por isso, se uma entidade como o Conselho Federal de Medicina baseia suas decisões em estudos científicos, é imperativo que a deliberação esteja alinhada com as conclusões desse estudo. No entanto, o próprio estudo mencionado não legitima a vedação de bloqueadores hormonais, mas sim recomenda sua adoção sob protocolo de pesquisa científica, como já era previsto na resolução do CFM de 2019. "A Administração está vinculada às razões que enuncia", afirmou o juiz, reforçando que as justificativas apresentadas devem ser consistentes com as evidências alegadas.
Segundo o procurador regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Lucas Costa Almeida Dias, responsável pela ação, a resolução é um retrocesso social e jurídico que desconsidera evidências científicas consolidadas e agrava a vulnerabilidade de uma das populações mais marginalizadas do País. As limitações impostas pela resolução contrariam também tratados internacionais e o princípio constitucional da proteção integral à criança e ao adolescente.
Fonte: Brasil 247
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