Governo Lula desenvolve programa para agregar valor a recursos como lítio e grafita, enquanto Washington tenta usá-los como moeda de troca
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de Entregas do Governo Federal ao Vale do Jequitinhonha. Parque de Eventos de Minas Novas, Minas Novas - MG.
Foto: Ricardo Stuckert / PR (Foto: Ricardo Stuckert / PR)
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está finalizando uma nova política nacional para minerais críticos, com foco na soberania estratégica e no fortalecimento da indústria brasileira. A informação foi publicada pelo jornal O Globo, que também apontou o crescente interesse do governo dos Estados Unidos, presidido por Donald Trump, no acesso a essas reservas minerais — especialmente diante da iminente imposição de sobretaxas a produtos brasileiros.
A iniciativa brasileira, chamada internamente de Mineração para Energia Limpa (MEL), vem sendo articulada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e prevê estímulos para ampliar o mapeamento geológico do território nacional, facilitar o financiamento de novos projetos e garantir maior participação de pequenas empresas no setor. Uma das medidas em análise é a autorização para emissão de debêntures incentivadas — títulos com benefícios fiscais — voltadas à produção e ao beneficiamento desses minerais.
Entre os recursos em foco estão lítio, cobre, grafita, silício, terras-raras, nióbio e vanádio, fundamentais para setores estratégicos como energia renovável, mobilidade elétrica, defesa e tecnologia de ponta. O Brasil detém algumas das maiores reservas globais, mas ainda participa com baixa expressão na produção mundial desses materiais. Segundo o Guia para o Investidor Estrangeiro em Minerais Críticos 2025, elaborado pelo próprio MME, o país possui, por exemplo, 26,4% das reservas de grafita, mas responde por apenas 4,56% da produção global. No caso das terras-raras, tem 19% das reservas, mas apenas 0,02% da produção.
O alerta sobre a assimetria entre potencial e realidade foi reforçado por Jorge Boeira, engenheiro de minas e analista da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI):
“Nesse contexto, os minerais podem, sim, ser usados como moeda de troca em negociações internacionais, mas com uma condição importante: o Brasil precisa definir com clareza qual seu projeto de desenvolvimento para esses recursos.”
Para Boeira, transformar o potencial mineral em vantagem geopolítica exige uma estratégia nacional robusta, que vá além da simples exportação de matérias-primas.
“Não se trata apenas de vender minério bruto, mas de negociar inserção qualificada em setores de ponta da economia global. Se o país conseguir construir políticas que associem a exportação desses minerais ao fortalecimento da sua indústria — por exemplo, exigindo contrapartidas em transferência de tecnologia, investimentos em beneficiamento e manufatura de materiais avançados localmente ou parcerias em inovação — então esses recursos deixam de ser apenas commodities e passam a ser instrumentos estratégicos.”
A movimentação de Washington sobre o tema foi direta: na quarta-feira (24), o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, procurou representantes do setor mineral brasileiro para manifestar o interesse americano no acesso aos recursos estratégicos. A abordagem ocorre em paralelo à tensão causada pela decisão dos EUA de aplicar uma sobretaxa de 50% aos produtos brasileiros, a partir de 1º de agosto — o que acendeu o sinal de alerta sobre o possível uso dos minerais críticos como moeda de troca nas tratativas comerciais.
Há ainda um pano de fundo político: o presidente Trump tem reiterado que a relação comercial com o Brasil prejudica os EUA e se queixa da atuação do Judiciário brasileiro em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele também tem criticado regras brasileiras sobre plataformas digitais. A Casa Branca insinua que a resolução das tarifas poderia vir acompanhada de concessões em temas como a exploração mineral, algo que o governo Lula rejeita, mantendo-se restrito à esfera comercial.
O programa MEL busca justamente criar um ambiente em que o Brasil não apenas explore, mas beneficie e industrialize seus minerais, posicionando-se com mais peso nas cadeias produtivas globais. Como o subsolo é propriedade da União, e sua exploração depende de concessões federais, o país detém uma ferramenta poderosa para definir os termos de acesso aos seus recursos.
Com potencial abundante e uma nova política em construção, o Brasil tenta transformar sua geologia em vetor de desenvolvimento, evitando repetir o histórico ciclo de exportação de bens primários com pouco valor agregado. A disputa por minerais estratégicos — em um cenário global cada vez mais marcado por tensões e transições tecnológicas — coloca o país diante de uma encruzilhada entre dependência e soberania industrial.
Fonte: Brasil 247 com informações publicadas pelo jornal O Globo
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