sábado, 12 de julho de 2025

Sobretaxa de 50% a produtos do Brasil é insustentável para os Estados Unidos, alertam especialistas

Insumos estratégicos exportados pelo Brasil são difíceis de substituir e aumentariam os custos da indústria e do consumidor americano

Brasil responde por 37% das importações estadunidenses de celulose, usada na fabricação de papel, embalagens e fraldas (Foto: Freepik )

A decisão de Donald Trump de aplicar uma tarifa de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil pode se mostrar insustentável para a própria economia dos Estados Unidos. Embora represente apenas 1% das importações totais americanas, o Brasil ocupa posições-chave em cadeias produtivas estratégicas e fornece insumos industriais de difícil substituição. O alerta é de especialistas e diplomatas com experiência em negociações comerciais entre os dois países, ouvidos em reportagem da Folha de S.Paulo.

“Somos produtores internacionais muito relevantes em mercados oligopolizados, com poucos fornecedores. É questão de vantagem absoluta mesmo, que pode criar impacto direto no consumo americano”, explica Verônica Cardoso, diretora de Economia do Direito na consultoria LCA. Segundo ela, a substituição dos produtos brasileiros, em muitos casos, exigiria reestruturações logísticas, técnicas e regulatórias nos EUA — o que elevaria os custos internos.

Entre os principais produtos afetados estão a celulose, usada na fabricação de papel, embalagens e fraldas, da qual o Brasil responde por 37% das importações americanas. Também se destacam o ferro-gusa e o aço, responsáveis por cerca de 20% das compras dos EUA, utilizados em carros, navios, latas e construção civil. Além disso, a Embraer coloca o Brasil entre os cinco maiores fornecedores de aeronaves e componentes para o mercado americano.

Mesmo setores em que os EUA possuem produção própria, como petróleo, seriam impactados. “Se fosse simples, já foi substituído o petróleo importado pelo doméstico”, afirma Cardoso, destacando que cerca de 5% do óleo consumido pelos EUA vem do Brasil. “Não é fácil homologar fornecedores ou responder questões sanitárias. Existe ainda logística e frete. Então, se não fizer trocas do dia para a noite — e feitas, será preciso assumir consequências em termos de custo de entrega”, complementa.

O advogado Felipe Rainato, especialista em comércio internacional, vê na medida uma tentativa de reforçar o discurso da reindustrialização americana, com base em políticas protecionistas. Mas alerta que o resultado tende a ser o oposto. “A tendência de qualquer política protecionista num mundo muito globalizado como o nosso é essa — o produto se torna mais caro, e o custo é invariavelmente absorvido pelo mercado interno”, afirma. “Possivelmente, os compradores norte-americanos conseguirão encontrar exportadores com preços mais interessantes, mas, ainda assim, deverão sentir um impacto.”

Diplomata de carreira e ex-negociador do Brasil em temas econômicos, José Alfredo Graça Lima reforça que o tarifaço pode gerar prejuízos também dentro dos Estados Unidos. “É certo que jogaram a bomba aqui no nosso quintal, gerando quase pânico no governo e em setores que temem perder um mercado tão importante, pois essa tarifa de 50% inviabiliza o comércio”, afirma. “Mas não podemos esquecer que os importadores americanos devem estar muito chateados, até porque quem pagará essas tarifas serão eles.”

A pressão de empresas americanas já fez Trump recuar em decisões similares no passado. Em abril, o ex-presidente anunciou tarifas sobre eletrônicos como smartphones e computadores, mas voltou atrás após reação de empresas do setor de tecnologia, que produzem fora dos EUA e dependem de peças e componentes importados. O episódio ilustra como medidas unilaterais podem comprometer a própria indústria americana.

Para a professora Marta Castilhos, do Instituto de Economia da UFRJ, a iniciativa tem caráter político-eleitoral, mas gera efeitos reais. “Na tarifa de 50%, Trump mistura o tema do comércio internacional, a ameaça do Brics, a defesa das empresas de tecnologia e pede o fim do julgamento de Bolsonaro”, aponta. “No fim, ele cria incertezas para a economia global e mina a confiança dos empresários, o que tende até a comprometer decisões de investimentos.”

A avaliação majoritária entre analistas é de que a sobretaxa contra o Brasil, longe de fortalecer a economia americana, ameaça desorganizar cadeias produtivas, aumentar custos e gerar instabilidade para empresas e consumidores. Mesmo que Trump deseje sinalizar firmeza ao eleitorado, a realidade industrial dos EUA indica que a retaliação contra o Brasil poderá ter um alto preço — pago internamente.

Fonte: Brasil 247 com informações da Folha de S. Paulo

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