Ex-presidenta critica governo Milei, alerta para riscos do desdobramento eleitoral e defende unidade como chave para a recuperação do campo popular
Em entrevista exclusiva ao jornalista Gustavo Sylvestre no programa Minuto Uno, da emissora argentina C5N, a ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner anunciou, nesta segunda-feira (2), sua candidatura a legisladora provincial pela Terceira Seção Eleitoral de Buenos Aires. A eleição está marcada para 7 de setembro e acontece no principal reduto do peronismo. Ao assumir publicamente a candidatura, Cristina reforça seu papel de liderança no campo oposicionista e volta a ocupar o centro do debate político argentino.
"Sim, vou ser candidata. Já havia dito isso em várias reuniões. É uma questão de bom senso. Se o peronismo tiver um mau resultado eleitoral em setembro, como isso vai repercutir no resto do país?", afirmou. Para a também presidenta do Partido Justicialista (PJ), o momento exige um esforço coletivo para impedir o avanço das forças liberais no comando da Argentina.
Cristina criticou ainda a estratégia do governador Axel Kicillof de desmembrar o calendário eleitoral da província em relação ao nacional — as eleições legislativas provinciais ocorrem em setembro, enquanto as nacionais estão marcadas para 26 de outubro. Embora tenha ressaltado que “jamais pediria a um governante que mudasse sua decisão”, considerou que o desdobramento “não seria o mais aconselhável”. “A província é muito grande, são 135 municípios e 17 milhões de pessoas que terão que votar duas vezes com sete semanas de diferença”, alertou.
Questionada sobre o simbolismo de disputar uma cadeira legislativa estadual, Cristina foi direta: “Esse é um problema de quem acha que a política é uma escada onde você vai subindo. Você tem que ir para onde mais pode servir no momento oportuno”. E acrescentou: “A Terceira Seção está subrepresentada, como todo o conurbano bonaerense”.
Ao comentar os recentes resultados eleitorais, a ex-presidenta destacou o desempenho do peronismo nas eleições legislativas de 18 de maio na capital argentina, em que Leandro Santoro liderou uma lista de unidade. “Não é que a unidade garante a vitória, mas se você está dividido, com certeza perde — e perde feio”, afirmou. “Salvo dois setores absolutamente minoritários, conseguimos construir uma corrente e fizemos uma eleição com 27 pontos.”
Na análise do cenário nacional, Cristina criticou duramente o governo de Javier Milei, que classificou como uma “direita anti-Estado, muito cruel e algo esotérica”. “Passaram do controle do dólar ao controle do salário. É uma direita que chega sem plano, copiando a ‘tablita’ de Martínez de Hoz”, disse. Sobre Milei, afirmou: “É um marginal da política que se ocupa dos ricos e dos que têm muito poder”, embora ressalte que “seria bom que se ocupasse dos problemas da marginalidade e da vulnerabilidade”.
Ela também recuperou os anos do governo de Mauricio Macri, a quem qualificou como representante de uma “direita mafiosa e cínica”. “Ganharam em 2015 dizendo que não iam tirar nada do que estava bom. E então começou uma perseguição devastadora. Convenceram as pessoas de que tudo o que tinham não era merecido. Disseram que a gente roubou um PIB. E no nosso governo não faltava dinheiro: lançávamos satélites, construíamos universidades, aumentávamos salários e pagávamos a dívida com o FMI”, ironizou. “Quando vieram os honestos e transparentes, não conseguiram fazer nada.”
Cristina também alertou para a fragilidade econômica atual e para o risco de um novo colapso financeiro. “Desde que se levantou o controle cambial, os argentinos compraram US$ 2 bilhões e enviaram ao exterior. A conta corrente está com um déficit de US$ 600 milhões. Não só não há investimento estrangeiro direto, como ele está indo embora”, declarou. “É um governo dependente de dívida, hoje sustentado pelo Fundo, com altíssimo endividamento. O default não é um cenário distante.”
Ela destacou que tanto o empréstimo do FMI ao governo Macri quanto o mais recente, ao governo Milei, excederam os limites estabelecidos pelas cotas argentinas. “Há responsabilidade de quem tomou a dívida, mas também de quem a concedeu”, apontou.
No encerramento da entrevista, Cristina defendeu a reforma da Constituição para que as eleições nacionais ocorram a cada quatro anos, seguindo o modelo de algumas províncias, mas reiterou seu apoio às eleições primárias obrigatórias (PASO), que considera fundamentais para evitar a fragmentação partidária. Ao colocar-se novamente como figura central do peronismo, Cristina Kirchner sinaliza que pretende liderar uma nova etapa de reorganização política frente ao avanço das políticas neoliberais.
Fonte: Brasil 247 com informações da C5N