Jurista diz que o processo no STF é necessário para curar a ferida aberta pelo 8 de Janeiro e critica lobby bolsonarista junto a Donald Trump
O advogado e professor aposentado de direito penal da USP, Miguel Reale Júnior, defendeu que o julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e de militares acusados de tentativa de golpe é um passo necessário para “curar a ferida” deixada na democracia brasileira após os eventos que culminaram no 8 de Janeiro. A entrevista foi publicada pela Folha de S.Paulo (leia a íntegra aqui).
Ex-ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e um dos autores do pedido que resultou no golpe de Estado contra Dilma Rousseff (PT), Reale Júnior é categórico ao rejeitar qualquer possibilidade de anistia aos envolvidos na trama golpista. “A anistia seria uma traição à democracia”, afirmou. Para ele, nenhuma das hipóteses que poderiam justificar a medida —como transição política ou pacificação nacional— se aplica ao caso. Pelo contrário: “Os defensores da anistia não querem pacificação, querem impunidade”.
✱ A importância do julgamento
O jurista considera que o processo em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) não apenas cumpre uma função jurídica, mas também simbólica e pedagógica: “É uma ferida que ficou na democracia brasileira, e ela precisa ser curada. A cura se faz por via do processo criminal, em que os responsáveis sejam julgados com pleno direito de defesa, com contraditório, como está sendo”.
Na avaliação de Reale Júnior, a tentativa de golpe deve ser enquadrada principalmente no crime de golpe de Estado, que já abrange, a seu ver, a tentativa de abolição do Estado democrático de Direito. Essa leitura é compartilhada pelo ministro Luís Roberto Barroso em ações relacionadas ao 8 de Janeiro, embora não seja posição majoritária no STF.
✱ Críticas ao bolsonarismo e à pressão externa
Miguel Reale Júnior também denunciou a atuação da família Bolsonaro no exterior, acusando-os de buscar sanções junto ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para pressionar instituições brasileiras. “A maior potência norte-americana, alimentada por Bolsonaro e seus filhos, faz coação e chantagem com o Brasil”, criticou, ressaltando que tal comportamento demonstra a ausência de qualquer espírito de pacificação.
✱ A lei de crimes contra o Estado democrático
O jurista lembrou que a lei usada no processo contra Bolsonaro tem como base um projeto apresentado por ele ainda em 2002, quando integrava uma comissão presidida pelo ministro do STJ José Cernicchiaro e que contou também com a participação de Luís Roberto Barroso. Segundo ele, a revogação da antiga Lei de Segurança Nacional foi essencial para que o julgamento atual pudesse ocorrer com legitimidade democrática. “Houve uma sorte de não estarmos com a Lei de Segurança Nacional para apurar o golpe de Estado de Bolsonaro. Senão nós teríamos sempre essa pecha”, observou.
Apesar de reconhecer falhas no texto aprovado em 2021, Reale Júnior destacou que os dispositivos sobre golpe de Estado e abolição do Estado democrático de Direito são suficientes para proteger a democracia. “A democracia tem que ser uma democracia militante, que defende a si mesma, que não é ingênua de imaginar que deve dar liberdade para que a liberdade seja destruída”, defendeu.
✱ Avaliação política e trajetória pessoal
Ao ser questionado sobre seu apoio ao presidente Lula em 2022, o ex-ministro explicou que não houve arrependimento quanto ao pedido de impeachment de Dilma, mas uma decisão pragmática diante do risco representado por Bolsonaro. “Eu estava dizendo que votava no Lula porque tínhamos que nos unir contra o malefício do Bolsonaro. Era um processo de salvação do país do desastre que era Bolsonaro”, afirmou.
Sobre o governo atual, porém, ele avaliou que faltou um plano claro de execução e criticou “guerras desnecessárias”, como a disputa com o Banco Central. Também comentou a decadência do PSDB, partido ao qual foi filiado por mais de 25 anos, atribuindo sua crise à falta de renovação de lideranças.
A entrevista de Miguel Reale Júnior reforça a gravidade do julgamento de Bolsonaro e militares acusados de conspiração golpista, situando-o como um marco de reafirmação democrática. Para o jurista, não há espaço para anistia nem relativização das responsabilidades: a única forma de cicatrizar a ferida aberta no sistema político é garantir que os responsáveis enfrentem as consequências legais de seus atos.
Fonte: Brasil 247
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