Operação revela ligação entre verba de parlamentares, fraudes em licitações e campanhas municipais
Flávio Dino (Foto: Rosinei Coutinho/STF)
O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu uma nova frente de apuração sobre o uso de emendas parlamentares, com foco na destinação irregular de recursos para campanhas eleitorais. A informação foi revelada com base em documentos da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR). A investigação envolve indícios de fraude em licitações, desvio de verbas públicas e compra de votos em municípios do interior do Ceará.
Segundo a Polícia Federal, emendas indicadas pelo deputado federal Júnior Mano (CE) abasteceram licitações fraudulentas em cidades administradas por aliados políticos. Parte dos recursos, após a vitória de empresas ligadas ao esquema, teria sido utilizada em campanhas eleitorais de candidatos apoiados por Mano nas eleições municipais de 2024. A investigação aponta que o parlamentar “exercia papel central na manipulação dos pleitos eleitorais, tanto por meio da compra de votos, quanto pelo direcionamento de recursos públicos desviados de empresas controladas pelo grupo criminoso”.
☆ Esquema operado por aliados e novos alvos
O caso está sob sigilo e tramita no STF, uma vez que envolve parlamentares com foro privilegiado. De acordo com a PF, o esquema era operado por Carlos Alberto Queiroz, conhecido como Bebeto, eleito prefeito de Choró (CE), mas impedido de tomar posse por decisão da Justiça Eleitoral. Mensagens obtidas pelos investigadores mostram conversas entre Bebeto e aliados de Júnior Mano sobre o pagamento de propinas em troca da liberação das emendas. Os percentuais, que chegavam a 12%, eram chamados de “pedágio” ou “imposto” nos diálogos — uma prática descrita pela PF como “institucionalizada de corrupção”.
Em nota, Júnior Mano negou qualquer irregularidade e afirmou que “sua correção de conduta será reconhecida ao fim da investigação”. Desde 2021, a cidade que mais recebeu emendas do deputado foi Nova Russas, governada por sua esposa, Giordanna Mano, que não foi alvo da operação.
☆ Outros parlamentares citados
Além de Júnior Mano, as investigações também mencionam emendas associadas a outros parlamentares cearenses: José Guimarães (PT), atual líder do governo na Câmara; Eunício Oliveira (MDB) e Yuri do Paredão (MDB). Nenhum dos três foi alvo da operação.
Em nota, Guimarães declarou: “Reafirmo o fato de que não destinei emendas parlamentares à localidade de Choró (CE)”. Sobre Canindé, outra cidade citada, afirmou que “uma simples consulta ao Siafi comprova que não destinei emenda entre 2024 e 2025”.
A assessoria de Eunício Oliveira informou que o parlamentar “destina emendas para obras em dezenas de municípios cearenses, de forma transparente e de acordo com a legislação” e que já pediu a suspensão de uma emenda para Canindé. Yuri do Paredão, por sua vez, afirmou que “o fato de todos os recursos estarem disponíveis no Portal da Transferência da Câmara demonstra a seriedade e a responsabilidade com que o deputado conduz suas ações”.
☆ Expansão do escopo e tensão entre os Poderes
A descoberta do uso de emendas para alimentar campanhas eleitorais impulsionou o STF a autorizar, por decisão do ministro Gilmar Mendes, a abertura de uma investigação específica sobre a execução ilícita desses recursos. Há expectativa de que novas manifestações da PGR sejam apresentadas ainda neste semestre, o que preocupa lideranças no Congresso diante da possibilidade de novas medidas cautelares, como quebras de sigilo e buscas autorizadas pela Corte.
As apurações já haviam provocado, em abril, a queda do então ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União-MA), denunciado pela PGR por desvio de emendas em seu mandato anterior como deputado. Parte da verba teria sido destinada à pavimentação de ruas em Vitorino Freire (MA), município então governado por sua irmã.
☆ Outros casos recentes
As investigações sobre o uso político de emendas parlamentares não são isoladas. Em fevereiro, emendas indicadas por Afonso Motta (PDT-RS) foram alvo de operação da PF, que resultou na demissão de seu chefe de gabinete. Em março, a Primeira Turma do STF tornou réus os deputados Josimar Maranhãozinho (MA), Pastor Gil (MA) e o suplente Bosco Costa (SE), todos do PL, acusados de negociar R$ 6,6 milhões em emendas em troca de R$ 1,6 milhão em propina.
Em outro caso, a PF apontou que um servidor estadual recebia comissão de 6% sobre verbas destinadas por um deputado para um hospital em Santa Cruz do Sul (RS), formalizadas inclusive por contrato — evidência, segundo a PF, de corrupção sistematizada.
☆ CGU e o padrão das irregularidades
Parte relevante dessas apurações teve origem em relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU), que detectaram concentrações atípicas de emendas em municípios ligados a parlamentares, sem critérios técnicos claros. Os indícios apontam para superfaturamento, favorecimento político e uso de empresas de fachada para viabilizar os desvios.
As descobertas ampliam o mal-estar entre os Poderes. Nos bastidores, ministros do STF reconhecem que o avanço das investigações tem contribuído para as tensões com o Congresso e com setores do Executivo. A ofensiva sobre as emendas parlamentares — vistas por muitos como instrumento legítimo de articulação política — levanta questões fundamentais sobre os limites da autonomia legislativa e a necessidade de maior transparência no uso dos recursos públicos.
Fonte: Brasil 247