A decisão dos deputados a respeito do colega parlamentar é mais um capítulo no embate entre o Poder Legislativo e o Judiciário
Ex-presidente Jair Bolsonaro ao lado do deputado federal Alexandre Ramagem 06/10/2024 (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes)
BRASÍLIA (Reuters) - A decisão da Câmara dos Deputados de suspender o processo do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) deve ter alcance restrito e não beneficiará o ex-presidente Jair Bolsonaro no julgamento da tentativa de golpe de Estado, disseram à Reuters três fontes do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira.
A decisão dos deputados a respeito do colega parlamentar é mais um capítulo no embate entre o Poder Legislativo e o Judiciário, no momento em que aliados de Bolsonaro buscam articular a aprovação de uma proposta de anistia a condenados pelos ataques de 8 de Janeiro às sedes dos Três Poderes.
Na véspera, a Câmara aprovou uma proposta para trancar o andamento da ação penal contra Ramagem por um expressivo placar de 315 votos, superior inclusive ao quórum de votação em plenário para se aprovar uma emenda constitucional, de 308 votos.
O principal ponto de embate é que a redação final da proposta aprovada pelos deputados em plenário prevê a sustação do "andamento da ação penal contida na Petição 12.100, em curso no STF, em relação a todos os crimes imputados”. Ou seja, ela não deixa claro se valeria apenas para Ramagem, e em qual extensão, inclusive em relação aos outros sete réus, inclusive Bolsonaro.
Na avaliação das três fontes ouvidas pela Reuters, entretanto, a proposta chancelada pelos parlamentares apenas contempla os crimes dos quais Ramagem é acusado posteriormente à diplomação como deputado federal e, de forma alguma, poderia trancar toda a ação penal e suspender o curso do processo contra o ex-presidente.
Segundo uma das fontes, a votação da Câmara terá "zero impacto" para Bolsonaro. A expectativa, segundo a fonte, é que a Câmara comunique o STF da decisão, mas a corte só irá suspender a tramitação do processo da parte de Ramagem em relação aos crimes após a diplomação dele como deputado, em dezembro de 2022.
Uma segunda fonte comentou que, em abril, o ministro Cristiano Zanin já tinha enviado ofício ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), em que apontava que a Casa só poderia suspender a análise do processo de Ramagem em relação aos crimes de dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado.
Dessa forma, o deputado federal seguiria respondendo pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa.
Uma terceira fonte do STF disse que o artigo 53 da Constituição, referente à imunidade parlamentar, é muito claro sobre o efeito de sustar o andamento da ação penal para crimes posteriores à diplomação. Essa fonte minimizou a disputa entre os Poderes e disse que o atual ambiente político, em que se há atos em defesa de anistia, acaba propiciando esse tipo de debate.
"Mas não faz sentido beneficiar a todos na ação penal", destacou a fonte, para quem essa pressão acaba ocorrendo porque Bolsonaro segue inelegível e as eleições de 2026 estão se aproximando, além de ele responder a um processo com "acusações consistentes".
ANÁLISE
No final da tarde, o ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do processo que envolve Ramagem, Bolsonaro e outros réus, decidiu pedir que o presidente da Primeira Turma do tribunal, Cristiano Zanin, que convoque uma sessão virtual extraordinária do colegiado para analisar a decisão da Câmara de suspender a ação penal do golpe para avaliar o alcance da decisão da Câmara.
Moraes ressaltou no despacho que a ação penal seguirá sua tramitação normalmente até a decisão da Primeira Turma.
Durante ato em defesa da anistia na quarta, com a presença de Bolsonaro poucos dias após se recuperar de uma sexta cirurgia de desobstrução intestinal, aliados do ex-presidente cobraram a presença dos deputados para votar a proposta sobre Ramagem.
Procurada, a assessoria do deputado não respondeu de imediato a pedido de comentário.
A Rede e o PDT entraram nesta quinta com uma ação no STF para declarar a inconstitucionalidade da decisão da Câmara sobre Ramagem. O PSOL havia anunciado na véspera que também deveria recorrer ao Supremo.
Deputados de expressão como Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Câmara, Baleia Rossi (SP), presidente do MDB, Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos, e Juscelino Filho (União-MA), que até pouco tempo atrás era ministro do governo Lula, votaram a favor de Ramagem.
Uma fonte da Câmara que acompanhou as negociações para a votação da proposta, contudo, disse que há muito jogo de cena e para a plateia nessa votação. Houve quem votasse para fazer um aceno indireto a Bolsonaro e ao mesmo tempo fustigar o governo Lula, no momento em que a gestão dele tem tido dificuldades de apoio no Congresso, disse.
Fonte: Brasil 247 com Reuters
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