Sem revisão desde 2021, incentivos tributários chegam a 4,4% do PIB, mais que o dobro da meta de 2% definida em emenda constitucional
Fernando Haddad e Hugo Motta (Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados) As renúncias fiscais no Brasil devem ultrapassar a marca de R$ 544 bilhões em 2024, o equivalente a 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com estimativas do governo federal. O dado expõe um descompasso entre os gastos tributários e a meta estabelecida pela Emenda Constitucional 109, aprovada pelo Congresso em 2021, que estipula um limite de 2% do PIB para esse tipo de incentivo até 2029. A informação foi publicada originalmente pela GloboNews.
Apesar da urgência em conter o rombo nas contas públicas, o projeto de lei complementar que definiria regras para avaliação e redução progressiva dessas renúncias está parado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados desde setembro de 2021. À época, o governo Jair Bolsonaro chegou a apresentar um plano para a redução dos benefícios, mas a proposta nunca foi votada.
"O Congresso Nacional tem papel muito importante nisso", afirma Jefferson Bittencourt, chefe de macroeconomia do Asa. "Em 2021, foi incluído um dispositivo pra fazer uma redução linear dos benefícios tributários, que levassem eles até 2% do PIB. Hoje a gente está girando com benefícios tributários entre 5% e 7% do PIB. O governo apresentou um plano de redução desses benefícios e não saiu da gaveta", critica.
Bittencourt ressalta que a melhor forma de enfrentar o problema seria a análise individualizada dos incentivos: “O jeito certo de se fazer redução dos gastos tributários, das renúncias, é avaliar uma a uma e ver aquilo que tem eficiência, eficácia, efetividade e que o custo-benefício se justifica.”
O presidente da Comissão de Finanças e Tributação, deputado Rogério Correia (PT-MG), reconheceu a omissão do Parlamento: “Nos últimos anos, outros projetos tiveram prioridade, como a reforma tributária, e faltou vontade política.” Segundo ele, a atual discussão sobre cortes no orçamento abre uma janela de oportunidade para revisar os incentivos fiscais. “Inicialmente pensava-se em um corte linear de 10%. Nós podemos fazer um corte linear de 5% e, ao mesmo tempo, trabalhar aqueles outros que vamos filtrar para ver qual é justo ou não. E, além disso, ou até incluído na mesma lei, podemos dizer que aquele que tem um período pra terminar, termina e não é prorrogado.”
Durante agenda em Campina Grande (PB), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), também se posicionou a favor de mudanças. “O Brasil tem mais de 600 bilhões de reais por ano em renúncia fiscal. E não há um acompanhamento, primeiro, da efetividade dessas renúncias. Se elas estão conseguindo retribuir ao Estado, retribuir à população brasileira esse incentivo que foi dado”, disse. E completou: “É um valor que está completamente acima daquilo que é praticado mundialmente e completamente acima daquilo que é suportável para o nosso país.”
Motta prometeu encaminhar o tema ao Colégio de Líderes: “Vamos procurar levar a discussão para o Colégio de Líderes, que, junto com a presidência, define a pauta da Câmara dos Deputados, para verificar a possibilidade de pautá-lo. A Câmara exercerá o poder de decisão, se aprova ou não a matéria.”
Enquanto isso, seguem intocadas políticas como o Simples Nacional, a Zona Franca de Manaus e o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos. Todos são exemplos de renúncias criadas para fomentar setores estratégicos, mas que nunca passaram por avaliações rigorosas exigidas pela Constituição. O vácuo legislativo impede o controle e a racionalização desses benefícios, que seguem drenando bilhões do orçamento sem comprovar retorno efetivo à sociedade.
Fonte: Brasil 247