Levantamento da Duke University revela que, após 2017, empregos formais caíram 2,5% e contratação informal subiu 6,7% no Brasil
A reforma trabalhista de 2017, aprovada durante o governo Michel Temer (MDB) com a promessa de ampliar vagas formais e reduzir litígios judiciais, provocou resultados contrários aos esperados. Segundo revelou a BBC News Brasil, um estudo inédito conduzido por Nikita Kohli, doutoranda na Duke University (EUA), apontou que, nos anos seguintes à mudança, os salários no setor formal caíram 0,9% e as contratações com carteira assinada encolheram 2,5%.
O levantamento, publicado em versão preliminar no blog Development Impact do Banco Mundial, utilizou dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) e da Pnad Contínua do IBGE entre 2012 e 2021. A partir de um modelo contrafactual — técnica que simula cenários alternativos ao que ocorreu —, Kohli conseguiu isolar os impactos da reforma. O resultado mais inesperado: embora o custo dos trabalhadores formais tenha diminuído, isso não se traduziu em mais empregos com carteira assinada.
"O que é surpreendente nesses resultados é que os trabalhadores formais ficaram mais baratos, seus salários caíram, mas o emprego formal também diminuiu", afirmou Kohli à BBC News Brasil. Intrigada com esse paradoxo, a economista passou a investigar o que teria acontecido com a informalidade nas empresas brasileiras. Descobriu que ela cresceu 6,7% após a reforma.
A pesquisa lança luz sobre o aumento da precarização no mercado de trabalho brasileiro. Em 2017, ano da aprovação da reforma, 40,2% dos trabalhadores estavam na informalidade — taxa que englobava 37,1 milhões de pessoas. Esses trabalhadores não tinham acesso a direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como férias, décimo terceiro salário e FGTS. Para efeito de comparação, nos países desenvolvidos a média de informalidade era de 18%, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Um dos fatores centrais identificados por Kohli para esse crescimento da informalidade foi o enfraquecimento dos sindicatos, que perderam 97% de sua receita com o fim da contribuição sindical obrigatória. “Minha hipótese é que as empresas podem estar pensando: ‘Ok, os sindicatos desapareceram. Estes trabalhadores formais tornaram-se mais baratos, mas agora também é menos provável que sejamos inspecionados’”, avaliou.
Ainda segundo a reportagem, a pesquisadora combinou diferentes camadas de dados para comprovar essa hipótese. Dividiu as regiões brasileiras de acordo com a força sindical — medida pelo número de acordos coletivos firmados — e a distância das empresas em relação às unidades de fiscalização do Ministério do Trabalho. Regiões com sindicatos historicamente fortes e mais distantes dos centros de fiscalização foram as que mais sofreram com o aumento da informalidade após a reforma.
Segundo Kohli, isso se explica porque, antes da reforma, os sindicatos atuavam como uma espécie de ponte entre os fiscais do trabalho e as regiões mais remotas, sugerindo onde deveriam ocorrer auditorias. Com o corte de recursos, muitos sindicatos fecharam escritórios e reduziram seu quadro de pessoal, perdendo capacidade de denunciar irregularidades. “A quantidade de inspeções é a mesma ao longo do tempo. O surpreendente é que as inspeções aumentam em áreas mais próximas dos fiscais, e diminuem em regiões mais distantes”, disse Kohli. “E, de fato, eu encontro que a queda do emprego formal e o aumento do informal vêm dessas áreas mais expostas.”
Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e da União Geral dos Trabalhadores (UGT), confirma os efeitos relatados no estudo. "A reforma de 2017, além de desfigurar a CLT, tirou de forma abrupta o oxigênio advindo da contribuição sindical do movimento sindical em geral e dos comerciários de uma forma especial", afirmou. Segundo ele, o sindicato que já teve mais de 600 funcionários chegou a cortar esse número pela metade nos anos seguintes à reforma.
A FecomércioSP, por outro lado, defende os avanços trazidos pela nova legislação. Para a entidade patronal, a reforma preservou direitos e abriu espaço para negociações sobre temas como jornada de trabalho e banco de horas — ainda que sob mediação sindical. Empresários, no entanto, criticam a insegurança jurídica, já que vários pontos da lei continuam sendo contestados na Justiça.
O sociólogo José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomércioSP, argumenta que a reforma não extinguiu a contribuição sindical, mas apenas a tornou voluntária. Para ele, essa era uma mudança necessária num país onde os trabalhadores não têm liberdade para escolher ou fundar sindicatos representativos.
Mesmo com esforços para se reestruturar, o movimento sindical ainda enfrenta dificuldades. Patah relata que o sindicato dos Comerciários voltou a ter 470 funcionários e tem buscado novas fontes de receita e adesão voluntária. Ainda assim, a taxa de sindicalização no Brasil caiu de 16,1% em 2012 para 8,4% em 2023, menor patamar da série histórica iniciada pelo IBGE.
Para Nikita Kohli, os resultados de seu estudo oferecem uma importante reflexão sobre o papel dos sindicatos e da fiscalização pública na manutenção dos direitos trabalhistas em países com alto índice de informalidade. “Informalidade está aumentando em todo o mundo”, alerta. No caso brasileiro, o desmonte do sistema sindical, aliado à fragilidade da fiscalização, pode estar empurrando mais trabalhadores para a invisibilidade e a precarização.
Fonte: Brasil 247
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