Uma major da alta cúpula da PM paulista teria fraudado o sistema
Exemplo de uma das câmeras corporais que podem ser implementadas ao uniforme de policiais na Bahia (Foto: Divulgação / Governo da Bahia)
Documentos internos da Polícia Militar de São Paulo, obtidos pelo Metrópoles, revelam indícios de um esquema de manipulação e exclusão de imagens captadas por câmeras corporais de policiais durante ações em campo. De acordo com registros da plataforma Evidence, utilizada pela corporação para armazenar os vídeos, uma major da alta cúpula da PM paulista teria fraudado o sistema para apagar a gravação de uma operação que terminou em morte, em março de 2024, em Santos, no litoral paulista.
A denúncia envolve a major Adriana Leandro de Araújo, que, segundo os registros, usou um usuário genérico chamado “Usuário de Operações”, vinculado a um e-mail com domínio externo (“gmail”), para alterar informações do vídeo, mudar sua autoria e data, e, por fim, deletá-lo. A gravação, feita pela câmera corporal do soldado Thiago da Costa Rodrigues, registrava a ação em que Joselito dos Santos Vieira, de 47 anos, foi morto com ao menos 12 disparos, conforme laudo do Instituto Médico Legal (IML). A versão oficial alegava confronto armado, mas familiares da vítima negam que ele estivesse com arma de fogo.
O caso foi arquivado em junho de 2025. A plataforma Evidence mostra que o vídeo foi inserido no sistema às 5h17 de 10 de março de 2024, um dia após a operação. No entanto, em 18 de março, às 16h28, a major Adriana acessou o arquivo, alterou o nome do policial associado à gravação e o substituiu pelo perfil genérico. Pouco depois, às 17h01, ela alterou a data da ocorrência para 5 de janeiro e reclassificou o tipo de caso para “Z-13”, sigla normalmente usada para registros de brigas menores. No dia seguinte, às 12h43, ela excluiu o vídeo.Essas alterações constam de uma auditoria da empresa Axon, fornecedora do sistema, datada de 26 de abril de 2024. Segundo especialistas, as fragilidades da plataforma permitem que policiais com acesso modifiquem dados e apaguem arquivos livremente.“O sistema tem inúmeras vulnerabilidades. É totalmente passível de fraude”, afirmou ao Metrópoles o ex-policial e perito digital Bruno Dias, que participou da implementação das câmeras no estado. “Existe uma permissão chamada ‘alterar a permissão’.
Um policial pode alterar a própria permissão, se colocar como administrador e fazer o que quiser no sistema”, explicou.Além de permitir a exclusão de vídeos, o sistema também permite que se modifique datas, horários e autores das gravações, o que compromete a confiabilidade das imagens como provas judiciais. “Você pode apagar vídeos avulsos, apagar em massa. Você pode também alterar data e hora do fato. Isso é gravíssimo. Compromete a legitimidade dos vídeos enquanto provas”, alertou Dias.A SSP informou que a denúncia está sendo apurada em sindicância interna e que “condutas incompatíveis com os princípios da instituição não serão toleradas”. Em nota, destacou: “Caso seja confirmada qualquer irregularidade, as medidas cabíveis serão adotadas para garantir a responsabilização dos envolvidos”.A operação que resultou na morte de Joselito ocorreu durante a “Operação Verão” no Morro do José Menino.
Segundo a PM, as equipes foram mobilizadas após um policial ter sido baleado na região. A viatura onde Joselito foi morto transportava quatro policiais, entre eles a subtenente Regiane Ribeiro de Souza, o soldado Bruno Pereira dos Santos e o cabo Felipe Alvaram Pinto — todos mencionados no inquérito militar por terem efetuado disparos.Para o perito forense Sergio Hernandez, o sistema da Axon falha no principal aspecto técnico: a cadeia de custódia da evidência digital. “O sistema Axon apresenta custódia, mas não apresenta cadeia de custódia”, afirmou. Segundo ele, o código hash — espécie de “impressão digital” que garante a integridade do vídeo — só é aplicado após o upload no sistema, permitindo alterações prévias sem deixar rastros. “A partir do momento que um sistema é aberto para que algum operador tenha permissão para editar ou excluir essas evidências, é um sistema que não apresentaria confiabilidade.”
Fonte: Brasil 247 com informações do Metrópoles
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