Criado após a Constituição de 1988, Estatuto é referência global
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 35 anos no domingo (13), reafirmando sua importância como marco legal da proteção integral da infância no Brasil. Instituído pela Lei nº 8.069/1990, o ECA consolidou o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e baseou-se nos princípios da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1989.
Em declaração à ocasião, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, ressaltou o papel transformador do Estatuto: “você conhece os Conselhos Tutelares? E os Conselhos de Direitos de Crianças e Adolescentes? Essas instituições foram criadas a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, hoje, estão em todos os municípios brasileiros, acompanhando as políticas para as infâncias e garantindo que nenhuma criança tenha o seu direito violado”.
Ao longo das últimas décadas, o ECA impulsionou profundas mudanças nas políticas públicas brasileiras. A ministra enfatizou esse percurso: “temos muito o que celebrar, e muito a fazer”.
☆ Antes do ECA: exclusão e desigualdade - Antes da promulgação do Estatuto, a infância no Brasil era marcada por desigualdades e exclusão. Crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade frequentemente eram tratados como “menores” e não como cidadãos com direitos. O Estado adotava uma abordagem tutelar e punitivista, muitas vezes ignorando a diversidade e complexidade das infâncias brasileiras.
A mobilização por mudanças ganhou força nos anos 1980, especialmente com a redemocratização do país. Um dos marcos dessa luta foi a “Ciranda da Constituinte”, em 1985, que reuniu mais de 20 mil crianças em Brasília. O movimento resultou na aprovação da chamada “Emenda Criança”, que incluiu os artigos 227 e 228 na Constituição de 1988, estabelecendo o princípio da prioridade absoluta para a infância e adolescência.
☆ Um novo paradigma - Com o ECA, o Brasil deu um passo inédito ao consolidar uma legislação que rompeu com visões assistencialistas. O Estatuto instituiu diretrizes para o respeito, cuidado e participação de crianças e adolescentes nas políticas públicas, transformando a infância em pauta estratégica de Estado.
Inspirado em normas internacionais, o Brasil foi pioneiro ao incorporar os princípios da Convenção da ONU à sua legislação interna. Em 1990, também foram criadas leis estruturantes como o Sistema Único de Saúde (Lei nº 8.080/1990) e foi promulgada a própria Convenção sobre os Direitos da Criança no país (Decreto nº 99.710/1990).
☆ Avanços estruturais e marcos legais - Um dos principais avanços promovidos pelo ECA foi a obrigatoriedade da criação dos Conselhos Tutelares, definida pela Lei nº 10.406/2003. Hoje, existem mais de 6.100 Conselhos Tutelares em todos os 5.570 municípios do país, com cerca de 30 mil conselheiros em atuação.
A secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e presidente do Conanda, Pilar Lacerda, destacou: “os conselhos passaram a ser um espaço de escuta ativa e diálogo permanente entre a sociedade, família e o Estado. Eles desempenham um papel fundamental na efetivação das políticas públicas e na vigilância cotidiana dos direitos de crianças e adolescentes nos territórios”.
Desde 1990, o ECA serviu de base para políticas como o Sistema de Garantia de Direitos (SGD), o Bolsa Família, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), a Lei da Escuta Protegida (Lei nº 13.431/2017), a Lei da Palmada (Lei nº 13.010/2014) e a Lei Henry Borel (Lei nº 14.344/2022). Também impulsionou ações em áreas como educação, saúde, proteção digital, inclusão de crianças com deficiência, igualdade racial e participação infantojuvenil em conselhos e conferências.
☆ Reconhecimento internacional e compromissos climáticos - Internacionalmente, o Estatuto tornou-se referência em tratados e convenções. Em 2023, por exemplo, o Brasil incorporou pela primeira vez a perspectiva dos direitos da infância em sua política climática oficial, reconhecendo na NDC 2023 (Contribuição Nacionalmente Determinada) a vulnerabilidade de crianças diante das mudanças climáticas — um tema debatido na COP 28.
☆ Desafios e perspectivas - Ao completar 35 anos, o ECA mantém sua relevância e potência transformadora, mas ainda enfrenta desafios importantes, como o enfrentamento da violência sexual, o combate ao trabalho infantil, o acesso equitativo à educação e à saúde, e a proteção de crianças em situação de orfandade ou vivendo em contextos de vulnerabilidade.
A trajetória de avanços e lutas ao longo dos anos — sintetizada em uma linha do tempo com marcos históricos entre 1988 e 2025 — reforça a importância de preservar a memória das mobilizações que originaram o Estatuto e de atualizar permanentemente suas diretrizes para garantir o futuro de todas as infâncias.
Fonte: Brasil 247