Presidente do STF afirma que modelo tradicional da CLT perdeu protagonismo e defende nova proteção para trabalhadores de aplicativos como Uber e iFood
Luís Roberto Barroso (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, defendeu uma revisão das formas de proteção social no Brasil e afirmou que a figura clássica do trabalhador celetista não é mais predominante. A declaração foi feita durante entrevista ao videocast C-Level, da Folha de S.Paulo.
Barroso destacou que o avanço do empreendedorismo e a popularização das plataformas digitais impuseram transformações profundas nas relações de trabalho. Para ele, esse novo cenário exige soluções diferentes daquelas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Acho, sim, que o entregador do iFood e o motorista de Uber têm que ter proteções sociais, mas um pouco diferentes da concepção tradicional. Temos que pensar fórmulas originais de proteção”, afirmou.
O ministro também defendeu as decisões do STF que validaram a reforma trabalhista de 2017 e a terceirização. “Acho que fizemos muito bem. Depois da validação da reforma, creio que não por acaso temos hoje o menor índice de desemprego no país nos últimos 40 anos”, declarou. Segundo ele, "em certos casos, o excesso de proteção desprotege".
☆ Justiça do Trabalho e pejotização
Questionado sobre o esvaziamento da Justiça do Trabalho, Barroso rebateu críticas e disse que o Supremo tem buscado responder às novas configurações do mercado. Em abril, por exemplo, o ministro Gilmar Mendes suspendeu todos os processos envolvendo a chamada “pejotização”, prática recorrente que transforma vínculos empregatícios em relações com pessoas jurídicas.
Ainda de acordo com a reportagem da Folha, decisões recentes do STF têm incentivado empresas a recorrerem diretamente à Corte, contornando a Justiça trabalhista. Barroso minimizou as críticas: “Melhor do que ter uma terceirização que passasse abaixo do radar do direito e da legislação, nós estabelecemos a sua legitimidade, cumpridas determinadas regras”.
Ele também comentou sobre medida tomada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sob sua presidência, que prevê a homologação judicial de acordos de rescisão entre empregador e empregado para coibir o que chamou de “indústria de reclamações”. Segundo ele, a iniciativa busca proteger os bons empregadores e reduzir a litigiosidade.
☆ IOF, ajuste fiscal e supersalários
Sobre o impasse entre o Congresso e o governo Lula em torno da cobrança do IOF, Barroso defendeu uma saída consensual. “Se houver possibilidade de uma solução consensual, melhor ainda. O papel do Judiciário é resolver problema”, afirmou. E acrescentou: “A contribuição para o ajuste de contas tem que ser geral e não pode recair predominantemente sobre os mais pobres”.
O presidente do STF também se manifestou favorável ao projeto que limita os chamados “supersalários” no serviço público, desde que se mantenham indenizações legítimas. “Sou totalmente a favor dessa limitação. Já falei com o presidente Alcolumbre que seria muito bom aprovar”, disse, defendendo a extinção dos “penduricalhos dados indevidamente”.
☆ Crise fiscal e explosão de ações judiciais
Barroso chamou atenção para a “epidemia de litigiosidade” no Brasil e o impacto sobre as contas públicas, especialmente com o pagamento de precatórios, que deve atingir R$ 116 bilhões em 2026. Ele revelou que 90% das ações contra o poder público envolvem temas previdenciários, tributários, trabalhistas, de saúde e de servidores.
Ao tratar do Benefício de Prestação Continuada (BPC), o ministro rejeitou a ideia de que o Judiciário seja o principal responsável pelo aumento nas concessões. “Houve um aumento da demanda por BPC em geral, tanto perante o Judiciário quanto perante a administração pública”, afirmou, acrescentando que os critérios de concessão devem ser alinhados para preservar o equilíbrio fiscal e a justiça social.
Com a entrada em vigor da reforma tributária prevista para 2027, Barroso informou que o CNJ trabalha em um anteprojeto de lei, em parceria com o Senado, para criar uma jurisdição nacional online que evite a multiplicação de litígios como ocorre com o ICMS. “Estamos tentando elaborar um anteprojeto para ser encaminhado ao Senado”, disse, destacando o apoio do senador Rodrigo Pacheco.
☆ Um novo perfil de trabalhador
Ao final da entrevista, Barroso reiterou sua posição de que o Brasil precisa repensar a forma como protege seus trabalhadores diante de uma nova realidade. “Aquela ideia do trabalhador celetista, metalúrgico, empregado, que cumpre oito horas regularmente, já não é mais, talvez, a dominante no mercado de trabalho hoje”, pontuou.
Segundo ele, o novo mercado exige um olhar atento às transformações sociais, à formalização do trabalho e à garantia de proteção mínima a todos — ainda que sob novos modelos.
Fonte: Brasil 247