Preferência pelo trabalho autônomo atinge 59% e cresce rejeição à CLT mesmo com salário menor, segundo levantamento nacional
Carteira de trabalho (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Uma pesquisa do instituto Datafolha, publicada pela Folha de S.Paulo em 21 de junho, revelou que 59% dos brasileiros preferem trabalhar por conta própria, enquanto apenas 39% consideram melhor serem contratados por empresas. O estudo inédito nesse recorte aponta uma tendência crescente de valorização do trabalho autônomo, sobretudo entre os mais jovens e os eleitores de direita.
Embora a pesquisa tenha incluído entrevistas presenciais em 136 municípios de todo o país, com 2.004 pessoas ouvidas nos dias 10 e 11 de junho, a pergunta sobre o que é melhor — trabalhar por conta própria ou ser empregado — foi feita pela primeira vez, o que impossibilita comparação com anos anteriores. Mesmo assim, outros dados comparáveis com 2022 mostram um aumento de 10 pontos percentuais na parcela de brasileiros que priorizam o ganho financeiro sobre a formalidade do emprego.
◎ Desvalorização da CLT e busca por flexibilidade
Entre 2022 e 2025, caiu de 77% para 67% a fatia de brasileiros que preferem um trabalho com carteira assinada mesmo ganhando menos. No mesmo período, cresceu de 21% para 31% o número dos que aceitam abrir mão da formalidade em troca de salários mais altos.
A queda na valorização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) parece estar associada, segundo o economista Daniel Duque, pesquisador do FGV/Ibre, a fatores culturais e conjunturais. “Com o mercado de trabalho aquecido, os trabalhadores percebem que teriam espaço para ganhar mais, mas isso não é possível pelos encargos trabalhistas elevados”, avalia. Ele também destaca que a popularização do home office durante a pandemia e o crescimento das ocupações via aplicativos de entrega, transporte e comércio digital vêm contribuindo para essa mudança. “Cada vez mais os trabalhadores querem uma ocupação em que podem trabalhar somente o que estão dispostos naquele momento”, afirma Duque.
◎ Juventude e direita lideram preferência pelo trabalho autônomo
A opção pela autonomia é maior entre os jovens de 16 a 24 anos: 68% preferem trabalhar por conta própria, ante 29% que optam por um emprego formal. Já entre os maiores de 60 anos, a diferença é menor — 50% preferem ser autônomos e 45% preferem a contratação tradicional.
No recorte por filiação partidária, 66% dos simpatizantes do PL (Partido Liberal), legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro, dizem preferir ser autônomos. Já entre os que simpatizam com o PT (Partido dos Trabalhadores), do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 55% preferem o trabalho independente. A valorização da carteira assinada é mais alta entre os eleitores petistas: 73% consideram o vínculo formal mais importante, contra 54% dos eleitores do PL.
◎ Perfil do trabalhador que valoriza a formalidade
Apesar da tendência de crescimento da informalidade desejada, há segmentos que seguem priorizando a CLT. Mulheres (71%) valorizam mais o vínculo formal do que os homens (62%). Idosos também: entre os brasileiros com mais de 60 anos, 79% ainda consideram o emprego com carteira assinada mais importante.
A renda e a escolaridade também influenciam essa percepção. Entre quem recebe até dois salários mínimos, 72% consideram importante ter a carteira assinada. Já entre os que ganham mais de dez salários mínimos, esse percentual cai para 56%. Quanto menor o nível de escolaridade, maior o apego à formalização: 75% dos que têm ensino fundamental defendem o vínculo formal, contra 66% dos que têm ensino médio e 59% dos com ensino superior.
O recorte por profissão reforça a diferença: 80% dos aposentados e 72% dos servidores públicos são mais favoráveis ao regime CLT. Em termos regionais, o vínculo formal é mais valorizado no Nordeste (69%), Sudeste (67%) e Sul (66%) e menos nas regiões Norte e Centro-Oeste (ambas com 62%).
◎ Visões políticas e futuro do trabalho
A pesquisa também cruzou os dados com a percepção política dos entrevistados. Entre os que avaliam o presidente Lula como “ótimo” ou “bom”, 76% valorizam a carteira assinada; entre os que o avaliam como “ruim” ou “péssimo”, esse percentual cai para 57%. Já entre os otimistas com o país, 72% consideram importante a CLT, contra 62% dos pessimistas.
Para Daniel Duque, o cenário aponta para mudanças estruturais no modelo trabalhista brasileiro: “Acredito que vai crescer a pressão política para redução dos encargos trabalhistas, já que a CLT atualmente está pouco atrativa para os trabalhadores um pouco mais qualificados que a média. E os mais jovens vão tomando conta do mercado de trabalho, e estão em busca de maior flexibilidade.”
A pesquisa Datafolha sinaliza, assim, um país em transição: entre a segurança da formalidade e a liberdade da autonomia, os brasileiros parecem cada vez mais inclinados a apostar no segundo caminho — mesmo que isso implique riscos e menos garantias.
Fonte: Brasil 247 com informações da Folha de S. Paulo