Ao longo de todo o dia de ontem, a mídia reproduziu com entusiasmo a manchete conveniente. Flávio Bolsonaro apareceria como o segundo colocado, atrás apenas de Lula, em todos os seis cenários testados na Quaest. A afirmação, repetida como dado objetivo, não resiste a uma leitura minimamente atenta da própria pesquisa.
Não é possível estabelecer quem ocupa a segunda posição real sem comparar desempenhos equivalentes. Isso pressupõe cenários em que cada nome da extrema-direita dispute isoladamente contra Lula, sem a presença constante de um concorrente favorecido. A Quaest escolhe não fazê-lo.
Na lâmina 64, o procedimento fica exposto. Flávio permanece fixo em todos os cenários, enquanto os demais candidatos da extrema-direita, Tarcísio, Zema, Ratinho, Caiado, Ciro e Aldo, são alternados como presenças episódicas. O resultado não mede força eleitoral. Preserva uma hierarquia previamente definida. A narrativa do “segundo colocado” se desfaz, substituída por algo mais funcional e menos rigoroso. Uma distorção deliberada, de aparência técnica e conteúdo ralo.
Há ainda um elemento central na pesquisa, a cuidadosa construção narrativa do suposto segundo lugar de Flávio. Antes de apresentar sua súbita e quase milagrosa consolidação nessa posição, a Quaest dedica as lâminas 48 a 59, doze páginas inteiras, ao campo da extrema-direita, numa espécie de aquecimento para o desfecho anunciado. Poderia ser uma análise densa, atravessada por tensões reais, divergências programáticas e disputas de base. Não é.
O recorte é estreito e reiterativo. Avalia-se se Bolsonaro acertou ao lançar Flávio e como os entrevistados percebem os demais postulantes, sempre enquadrados como alternativas menores, quase acessórios de um projeto já escolhido. Não há exame consistente de programas, alianças, limites políticos ou conflitos internos. Tudo converge para uma pergunta que já contém a resposta.
O mesmo cuidado narrativo reaparece nas lâminas 61 e 62. Ali, a pesquisa reúne um contingente desmedido de indecisos, atribuindo ao Brasil atual a existência improvável de 65% de eleitores sem qualquer inclinação definida. Isso não corresponde a um detalhe técnico inocente, mas à criação de um estoque estratégico. Indecisos em excesso oferecem margem ampla para leituras posteriores, ajustes de discurso e rearranjos oportunos. Em um país politicamente tensionado há quase uma década, esse número não se sustenta. Não é falha estatística. É construção consciente.
Resta, então, a pergunta que a própria pesquisa evita formular, mas que se impõe ao leitor atento com absoluta naturalidade. Por que a Faria Lima está tão empenhada em emplacar a candidatura de Flávio Bolsonaro? A resposta não se encontra nas lâminas, nem nos percentuais, nem nos gráficos de barras cuidadosamente alinhados. Ela habita o silêncio organizado da pesquisa, aquilo que se opta por não testar, não comparar, não expor. Em política, como em estatística, as ausências também dizem muito. E, neste caso, dizem o suficiente para dispensar legenda.
Fonte: DCM



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