Divergência entre ministros abre possibilidade de recurso que pode prolongar julgamento do ex-mandatário no caso da trama golpista
Ex-presidente Jair Bolsonaro comparece ao julgamento no Supremo Tribunal do Brasil sobre alegada tentativa de golpe perante o ministro do Supremo Tribunal Alexandre de Moraes, em Brasília - 10/06/2025 (Foto: REUTERS/Diego Herculano)
O julgamento de Jair Bolsonaro (PL), réu no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo núcleo central da ação que investiga a trama golpista, pode se alongar em caso de ausência de unanimidade na Primeira Turma. Segundo especialistas em direito processual penal ouvidos pela Folha de S. Paulo, se houver condenação sem placar unânime, cresce a chance de a defesa acionar os chamados embargos infringentes — recurso permitido quando há voto divergente a favor do réu. Essa medida poderia reabrir a análise do mérito e transferir a decisão para o plenário da Corte. Ainda assim, não se trata de um caminho automático: precedentes recentes do STF têm restringido o uso desse tipo de recurso.
O processo contra Bolsonaro está marcado para começar em 2 de setembro. Entre os cinco ministros da turma, apenas Luiz Fux sinalizou possibilidade de divergir do relator Alexandre de Moraes. Nos bastidores, também houve desconforto em parte da Corte quando Moraes determinou a prisão domiciliar do ex-presidente no início de agosto.
Bolsonaro responde por crimes como organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado por violência, grave ameaça contra patrimônio público e deterioração de bem tombado.
Em 2018, o plenário do STF estabeleceu, ao julgar recurso de Paulo Maluf, que seriam necessários dois votos de absolvição em turmas para admitir embargos infringentes. Esse entendimento foi reafirmado em 2023 no caso do ex-presidente Fernando Collor de Mello, quando a Corte restringiu o uso do recurso apenas para situações de divergência em favor da absolvição.
A professora da USP Marta Saad explica a lógica da medida: "Se um juiz divergiu dos outros e decidiu a favor da defesa, esse voto pode indicar que a decisão ainda merece uma nova análise, agora por um número maior de julgadores". Ainda assim, ela avalia que o STF deve manter a linha restritiva, mesmo que vá além do previsto no regimento interno.
Antonio Santoro, professor da UFRJ, considera possível que o Supremo reveja parâmetros anteriores diante da relevância do caso. "Esse caso é muito delicado e ele pode ser um ‘leading case’ que lidere um novo entendimento", afirmou. Ele lembra que a composição atual da Corte difere da que firmou o precedente no julgamento de Maluf, além de alterações nas regras de competência das turmas.
Outro recurso à disposição da defesa são os embargos de declaração, usados para apontar obscuridades ou contradições em sentenças. Renato Stanziola Vieira, advogado criminalista e doutor em direito processual penal pela USP, esclarece: "Nessa situação, a matéria não vai para o plenário, e o mesmo órgão que proferiu o acórdão aprecia os embargos". Ele também aponta a possibilidade de habeas corpus ao plenário, embora essa via seja tratada de forma bastante restritiva pelo tribunal.
Atualmente em prisão domiciliar, Bolsonaro só poderia iniciar cumprimento de eventual pena em regime fechado após o trânsito em julgado, ou seja, quando todos os recursos se esgotarem. O prazo para apresentar embargos de declaração é de cinco dias após a publicação do acórdão; já os infringentes podem ser protocolados em até 15 dias.
Rossana Leques, advogada criminalista e mestre em direito penal pela USP, ressalta que recursos meramente protelatórios podem ser rejeitados pelo Supremo. "Quando o tribunal entende que os requisitos não foram preenchidos, que o recurso é incabível, ele é considerado meramente protelatório. E isso implica numa possibilidade de execução imediata da pena", explicou.
Esse tipo de decisão já ocorreu em outros casos, como no processo de Collor e em ação contra a deputada federal licenciada Carla Zambelli (PL-SP). Assim, apesar das brechas processuais, especialistas apontam que a tendência do STF é aplicar um rigor maior, sobretudo em julgamentos de grande repercussão política.
Fonte: Brasil 247 com informações da Folha de S. Paulo
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